E eis que, recentemente, a Marvel promoveu a morte do
Wolverine, um dos x-men mais populares de seu panteão. O movimento já era
esperado por quem acompanha a cronologia gringa, especialmente depois que um
vírus (?) vindo do microverso (??) atacou o organismo do baixinho canadense e
fez seu fator de cura parar de funcionar. Foi a deixa para que inimigos do seu
passado viessem cobrar suas dívidas.
Ou seja: a grande graça da morte do
Wolverine é justamente desconstruir o seu lado mais selvagem, a sua cara mais
durona. É arrancar de vez esta camada meio Dirty Harry.
O momento não poderia ser mais apropriado. Porque estamos
justamente numa encruzilhada na qual se questiona aquela tão bem-sucedida
estética apelidada de grim ‘n gitty (em tradução quase literal, “sombrio e
urbano”), tão em voga nos quadrinhos de super-heróis dos anos 1990. Quando
Frank Miller restaurou o lado mais sombrio do Batman com seu O Cavaleiro das Trevas, jogando por terra
as piadinhas e a pancinha do Bruce Wayne da série dos anos 60, um verdadeiro
movimento tomou conta dos criadores. “É preciso explorar aqueles personagens
que habitam as sombras”, deve ter sido a palavra de ordem nas redações das
grandes editoras. Os paladinos heróicos de moral inquestionável viraram
“capitães fraldinha” que não tinham mais graça. Superman e Capitão América
ficaram tristes e foram jogar xadrez na praça.
Logan rapidamente virou o símbolo
dos X-Men – desenhado por Jim Lee, músculos saltados, dentes cerrados, garras
afiadas brilhando, rasgando carne e arrancando sangue de quem cruzasse seu
caminho. A atitude rebelde e desafiadora, caminhando na linha fina entre o
herói e o vilão, virou uma febre. Violência vendia. Na Marvel, ele e parceiros
como o Justiceiro e o Demolidor viraram figurinhas carimbadas em tudo quanto
era gibi da linha, só pra garantir vendagens adicionais. Todd McFarlane colocou
na área uma versão babona e cheia de dentes do Homem-Aranha, que atendia pelo
nome de Venom. No meio da galera dos mutantes, Rob Liefeld despejou tipos como
o Cable, o Shatterstar e o Deadpool, todos armados até os dentes. Quando Lee,
McFarlane, Liefeld e toda a turma partiram para construir a sua Image Comics,
os personagens tinham esta mesma pegada – pensem no Spawn, pensem no
Shadowhawk, pensem no Youngblood. Tudo na medida certa para cativar as
necessidades de testosterona da molecada da época. Subia o nível de sangue e
suor, os músculos aumentavam, as veias explodiam…e o cérebro das histórias
decaía na mesma proporção.
Por sorte, esta fase parece ter
passado. O atual leitor de quadrinhos de heróis aparenta ter mais interesse no
cinza, naquela zona entre o preto e o branco, tratada com mais sutileza e menos
pólvora. Prova disso é o sucesso de sagas como Guerra Civil (Marvel) e Crise de
Identidade (DC). O que ambas têm em comum? O fato de que são estudos delicados
das peculiaridades das pessoas que se escondem SOB as máscaras. Suas angústias,
seus sonhos e pesadelos, seus amores e amizades, suas frágeis alianças
aparentemente imperceptíveis. A principal decisão de Guerra Civil tomada por
uma preocupação com o bem-estar de seus entes queridos; a grande “vilã” de
Crise de Identidade ser uma civil tomando uma decisão extrema baseada apenas no
amor (do tipo obsessivo, é verdade).
Este tipo de tratamento passou a
influenciar, obviamente, tudo que viria dali pra frente. Por muito tempo
tratado como um personagem de uma única camada, Logan foi aos poucos sendo
desconstruído. A editora, inteligentemente, foi adicionando mais e mais camadas
de significado ao Arma X. Descobrimos o seu passado – e vimos que James
Howlett, na verdade, era um frágil menino rico que foi, digamos, amaldiçoado
com uma mutação que o forçou a crescer basicamente sozinho. Ele perdeu Charles
Xavier, seu grande referencial ideológico – e viu o aluno querido, o favorito
do professor, iniciar um processo violento de questionamento, de revolta com
aquele modelo, praticamente assumindo o papel que outrora foi de seu mais
radical opositor (Sai Magneto, entra Scott. Caem as cortinas).
Sem Xavier, sem Ciclope, bingo, o
fardo de cuidar da educação de uma nova geração de genes X, guiando-os no
caminho da paz entre humanos e mutantes, coube ao “eterno xará”. Isso mexeu com
a cabeça de Logan. O guerreiro feroz e sem limites, sem piedade, sem passado e
sem perspectiva de futuro, tendo que educar crianças e se preocupar com seu
amanhã. E aí vem este lance do fator de cura, aquele que lhe permitia ter uma
confiança imensa em si mesmo, que lhe fazia atravessar um tiroteio sem camisa e
sair do lado de lá todo estiloso, de chapéu de caubói e barba por fazer… Tudo
indo pelo ralo. O herói passou a se repensar. E tanto os roteiristas quanto os
leitores passaram a repensar o herói.
A morte do Wolverine, conduzida do
jeito que tem sido, é a cereja no bolo deste processo de “humanização” de
Logan, de sua transformação em um herói (ou anti-herói, que seja) de fato
tridimensional.
Gozado perceber que, na esfera cinematográfica, o Wolverine
acabou ficando pelo meio do caminho. A Warner/DC decidiu construir seu universo
nas telonas com base nos tijolos de “realidade” fundados pela bat-trilogia de
Christopher Nolan – reparem no Homem de Aço de Zack Snyder, um Clark Kent que
está mais próximo das sombras do Morcegão do que da luz brilhante de sua
contraparte de papel. Do outro lado, está a Marvel, que optou por embarcar na
galhofice. Os filmes, por mais tensos que sejam, SEMPRE têm espaço para o
humor. Sempre. Ou então são experiências completas de pura zoeira sem limites,
como é o bem-sucedido caso dos Guardiões da
Galáxia.
Temos ainda a Sony, que fez um
primeiro Espetacular Homem-Aranha tentando ser mais Christopher Nolan, sentiu
que o caminho não era aquele, optou por um tom talvez um pouco mais leve e
piadista no segundo filme e acertou – embora saibamos que parte do público que
é leitor de HQs discorda desta afirmação. Mas, enfim, o papo aqui não é este.
O fato é que, no meio do caminho,
está a Fox. E no epicentro da parada, está o Wolverine. Um Wolverine que não é
raivoso, fúria em estado bruto, violento e sem piedade como nos gibis dos anos
1990. Mas, tampouco, é um Wolverine com algum tipo de matiz que lhe permita um
mínimo de profundidade, de humor, de sutileza. É só um cara de costeletas e
jaqueta de couro. Tá bom, o Hugh Jackman é gente boa pacas. E funcionou nos
dois primeiros X-Men do Bryan Singer. Mas em seus filmes solo, quando teve que
mostrar a que veio, rapaz, foi uma tragédia. Por sorte, em X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, ele
não passou de um mero coadjuvante para a discussão que realmente importava,
entre Magneto, Xavier e a Mística.
Obviamente, eu, vocês e até o porteiro aqui do meu prédio
que erra o meu nome todos os dias quando a gente troca nossos “bom dia”,
sabemos que o Logan vai voltar da terra dos pés juntos. Quanto a isso, dúvida
zero. O lance é: depois de tantos questionamentos sobre a própria mortalidade,
COMO ele vai voltar? Nas mãos de um roteirista talentoso, esta é a oportunidade
ideal para que tenhamos um Wolverine menos “vou te matar” e mais “quero te
matar, mas isso vai zoar com os meus miolos”. Um pouco do que fez Ed Brubaker
com o Capitão América pós-11 de setembro, dando-lhe tamanha relevância,
desvendando o soldado por baixo do uniforme bandeiroso, que acabaria
influenciando a temática, o tom geral, do melhor filme de super-heróis do ano (Capitão América
2, dã).
E que este Wolverine mais, sei lá,
humano, verdadeiro, real, ajuda a influenciar o Wolverine das telonas. Nada
pessoal, Mr. Jackman.
Por Thiago Cardim
Fonte: Judão
2 Comentários
o Primeiro comentário que fiz aqui no Planeta Marvel DC foi sobre a Morte do Wolverine!! caramba! gostei muito da cena em que os Esqueletos com garras esfolam a costa do Wolvi!!Marcos Punch.
ResponderExcluirO autor dessa matéria gostou da série, mas eu achei muito fraca, bem abaixo do que o roteirista Charles Soule conseguiu em seus outros títulos.
ExcluirPuxa, seu primeiro comentário aqui! Que nostalgia!