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Colaboradores do Planeta: O Vício nas HQs

“Vício” pode ser definido como “hábito de fazer algo”, “dependência que leva ao consumo irresistível”, entre outras definições. Nosso colaborador Giulianno de Lima Liberalli aborda esse assunto de maneira informativa e reflexiva. Confira:



Nesse texto não estou falando sobre o vício de ler HQs, sobre o qual eu não condeno ninguém, só não pode deixar de comer, beber ou viver socialmente para poder ler seus comics favoritos, quando se chega nesse ponto é bom pensar em procurar ajuda, urgente. Falando sério, aproveitando a publicação do segundo volume de Lendas do Universo DC – Lanterna Verde e Arqueiro Verde onde vemos a famosa história “Nas Veias”, que mostra o contato dos heróis com o tráfico de entorpecentes e a chocante revelação de que o parceiro do Arqueiro Verde, Ricardito, está viciado em drogas causando um grande problema na vida de Oliver Queen, decidi listar alguns dos momentos mais marcantes dos quadrinhos envolvendo esse vício que destrói as vidas de várias pessoas e de suas famílias tanto nos quadrinhos como na vida real.

Normalmente o mundo das HQs é um misto de temas reais com fantasia, problemas sociais ganham diferentes perspectivas quando são inseridos nos quadrinhos. É sempre interessante ver como os heróis são retratados quando enfrentam situações da realidade ao invés de enfrentarem o super vilão da temporada, podemos ter como exemplo as séries de graphic novels de Alex Ross e Paul Dini para a DC mostrando alguns dos mais famosos heróis lidando com desafios mundanos, como Superman buscando uma solução para a fome mundial, Batman enfrentando a corrupção e as consequências da criminalidade nas ruas, Shazam e a dura infância de crianças órfãs e doentes sem esperança e a Mulher Maravilha buscando levar uma mensagem de paz para um mundo marcado por guerras e disputas de poder. Mas o assunto das drogas sempre foi um dos mais polêmicos e os quadrinhos não ficaram de fora dessa guerra:

Lanterna Verde 85 e 86 (1971) – Quando Denny O´Neil e Neal Adams estavam à frente da revitalização do título do Lanterna Verde, trazendo o Arqueiro Verde e histórias com temáticas mais adultas e com críticas sociais, levaram ao editor Julius Schwartz a proposta de abordar o problema do tráfico de entorpecentes e dos viciados nas ruas das cidades, inspirados por situações reais que ambos vivenciaram em suas vizinhanças. Como na época as publicações ainda dependiam da aprovação do Comics Code Authority, o órgão censor dos comics americanos, o temor de uma represália à editora o fez segurar a história, só que uma famosa concorrente publicou uma saga mostrando o problema das drogas corajosamente sem o selo de autorização, o impacto fez a história ter sinal verde e foi publicada chegando a ganhar o prêmio Shazam Awards, sendo parabenizada pelo prefeito de Nova York na época pela iniciativa, claro que estou falando de...


O Espetacular Homem-Aranha 96 a 98 (1971) – A Marvel provocou um grande impacto no mundo dos quadrinhos nessa saga do Homem-Aranha cujo tema foi o retorno do Duende Verde, mas o que a história mostrava de mais impactante era o resultado do uso abusivo de drogas, o tráfico nas faculdades, o retrato de uma realidade que preocupava a sociedade afetando os jovens e seus futuros. Como a maior parte do público-alvo das HQs são os jovens, mostrar como o vício é perigoso alertando-os a manterem distância do uso de drogas foi um trabalho corajoso da editora, sendo lembrada até hoje como uma das maiores sagas do amigão da vizinhança, quem não se lembra de Peter dando uma bronca no traficante da escola ou do estado de Harry no hospital após se drogar desesperadamente? Clássico é pouco.

Um Conto de Batman – Veneno (1991) – Nessa série de histórias publicadas em Legends of Dark Knight 16 a 20 vemos que um herói também pode ser afetado pelo vício, uma das piores coisas sobre as drogas é que elas removem várias “travas” que a pessoa tem, dando-lhe a sensação de poder e invencibilidade e é isso que acontece ao Cavaleiro das Trevas quando ele falha ao salvar uma menina de morrer afogada, porém seu pai desenvolvia uma droga que dava ao usuário condições físicas acima das capacidades humanas normais, Batman começa a usá-la inicialmente para não falhar mais na luta contra o crime, mas começa a perder a luta contra o vício quando começa a sentir poderoso, invencível. Não sendo mera coincidência que esse arco tenha sido escrito por Dennis O´Neil, responsável pela clássica história do Lanterna Verde “Nas Veias”.


Homem de Ferro – O Demônio na Garrafa (1978) – O alcoolismo também é um vício, um dos mais destruidores que se conhece, e esse arco do Homem de Ferro se tornou um clássico do personagem mostrando os progressivos efeitos do uso abusivo do álcool na vida de uma pessoa e o quanto ela pode perder por se entregar. A Marvel sempre foi conhecida por injetar um pouco mais de realidade nas suas HQs, diferente da Distinta Concorrência, e aqui vemos um dos seus mais importantes personagens sendo destruído, levado ao fundo do poço, mostrando aos leitores o lado negro da alma que assume quando a bebida toma o lugar da razão, impactante e relevante até hoje.

Demolidor – A Queda de Murdock (1986) – Frank Miller já estava se consagrando no título do Demolidor, resgatou um personagem clássico do limbo lançando-o ao estrelato e podemos considerar esse o seu melhor momento no comando da série, mas o cerne da história não é sobre vício ou o herói envolvido com drogas, o que não acontece, porém tudo começa quando Karen Page, amor da vida do Demolidor, viciada, desesperada por uma dose e sem dinheiro toma uma atitude imprudente típica de um dependente químico que não se importa com mais nada, a não ser conseguir a droga, e vende a identidade secreta do Demolidor para um traficante de quinta categoria que repassa a informação até o Rei do Crime, dando o que ele precisa para destruir a vida do herói. Aqui vemos o quanto o uso das drogas não afeta só a vida do viciado, mas a de todos ao seu redor causando nada mais do que dor e perda.

Interessante notar que alguns heróis ganharam suas habilidades graças a agentes
químicos que poderiam ser considerados drogas, como o soro do super soldado que transformou Steve Rogers no Capitão América ou no soro que o outrora viciado Robert Reynolds encontra em um laboratório o transforma no Sentinela, dando-lhe poderes imensos e fazendo que abandone a vida de drogado, mas o vício deixou um resíduo na sua mente que se transformou no Vácuo, seu inimigo. Também tem vilões que são dependentes químicos, um dos mais relevantes é Bane, depois de passar por experiências em um presídio com variações da mesma droga usada pelo Batman ele passou a ser uma ameaça que possui uma tremenda força física, essa força só se mantêm com o uso constante da droga injetada no seu corpo a cada 12 horas, caso contrário entra em violentas crises de abstinência.


No cinema também tem exemplos de drogas dando poderes especiais para as pessoas, como o filme Lucy com Scarlett “Viúva Negra” Johansson. Na história seu corpo é usado para contrabandear uma nova e poderosa droga, só que o pacote estoura em seu organismo e a droga provoca mudanças que, gradativamente, vão transformando-a em um ser com poderes ilimitados já que a droga expande o uso do seu cérebro ao nível total, dando-lhe domínio sobre qualquer coisa, inclusive a realidade.

Felizmente a indústria de HQs faz um importante trabalho em alertar que o uso contínuo de drogas não tem nada de positivo, tanto para o indivíduo como para a sociedade, seria muito bom se as pessoas tomassem o exemplo de superação de muitos heróis para que o vício das drogas perdesse cada vez mais terreno no nosso mundo e fosse substituído por outros bem mais úteis, como o da solidariedade e o do conhecimento. Esse texto é uma homenagem aos trabalhos inovadores de grandes mestres como Denny O´Neil, Neal Adams, Stan Lee, John Romita Sr e Jr e David Michelinie.


Por Giulianno de Lima Liberalli

Colaborador do Planeta Marvel/DC