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Colaboradores do Planeta: Dan Slott, o roteirista superior

Nosso colaborador Jorge Luis levanta a bandeira da discórdia e traz uma matéria sólida propondo um tema em defesa da controversa e longa fase do Homem-Aranha às mãos do escritor Dan Slott.



Não, não é uma piada. Vejo por aí afora, muita gente criticando o roteirista Dan Slott e querendo a cabeça do cara, principalmente depois do Homem-Aranha Superior e a troca de mentes de Peter Parker com o Dr. Octopus. Mas particularmente eu sou um grande fã do trabalho do roteirista no Aranha, e agora venho aqui bancar o advogado do diabo.

Desde que Slott tomou conta dos roteiros do Aranha, considero que ele vem entregando um excelente trabalho. Histórias boas como o Aranha não via há tempos. Principalmente porque o personagem estava vindo de uma época sofrível, com sagas desastrosas como “O Outro”, “Pecados Pretéritos” (também conhecida como Saga da Gwen Puta ou Saga do Peter Corno) e o pessimamente planejado e mal executado mini-reboot que foi o “Um dia a Mais”.

Após esse período, o cabeça de teia conseguiu ter algumas boas histórias pelas mãos de uma equipe composta por Mark Waid, Marc Guggenheim, Zeb Wells, Fred Van Lente e o próprio Dan Slott numa iniciativa que a Marvel batizou de “Brand New Day”. Já nessa época Slott se destacava mais do que os companheiros, mostrando que entendia do herói aracnídeo. Tanto que quando a Marvel decidiu renovar novamente as revistas do Aranha, o deixou como roteirista absoluto a tomar conta do personagem. Uma trajetória que começou ainda em 2010, com a chegada da fase “Big Time”, que prometia um Peter Parker vivendo realmente um grande momento.

Por mais que o Slott às vezes apareça com umas ideias incomuns e bizarras, a execução das mesmas nunca decepciona.

Acho que isso é um diferencial. Costumo ver nos quadrinhos, ótimas ideias terem uma péssima execução e acabarem desapontando, e o Slott faz exatamente o contrário. Ele pega aquela ideia que a princípio pode parecer estranha e entrega histórias sensacionais. O cara sabe como contar uma história e como prender o leitor.

Poucos escritores trataram tão bem e demonstraram ter tanto conhecimento da mitologia e cronologia do aracnídeo como Dan Slott, tanto com o elenco clássico de coadjuvantes, quanto com o elenco que ele trouxe. Slott usa toda a rica história do Aranha para construir o seu roteiro, e um dos exemplos que mais gosto é a belíssima cena quando a tia May leva o Peter para o seu primeiro dia de trabalho nos laboratórios Horizonte, lembrando-se de um diálogo ainda da época de Stan Lee e Steve Ditko. Para um fã de longa data do Aranha, é no mínimo emocionante.


Aliás, é interessante citar essa evolução que ele deu ao Peter, dando o devido valor à sua inteligência e finalmente o retratando como o cientista que ele é, um dos mais inteligentes do universo Marvel. Nunca havia visto alguém trabalhar tão bem a genialidade do personagem, que inclusive se aproveita de sua posição nos laboratórios para criar armas para o Aranha. É aquele tipo de ideia que faz você se perguntar: “Como ninguém nunca pensou nisso em 50 anos?”.

O mais próximo disso que já havíamos visto nos quadrinhos foi quando Peter agiu um tempo como professor de química no Colégio Midtown, no início da fase do escritor J. Michael Straczynski. Um conceito que apesar de interessante na época, ainda trazia uma sensação de desperdício de talento para Peter Parker, um cara cujo intelecto por diversas vezes impressionou até mesmo caras como Tony Stark e Reed Richards. Com Slott, vemos em vários momentos a inteligência de Peter colocada à prova, além do seu caráter inventivo e criativo. É no mínimo incrível quando o personagem, em sua entrevista de emprego, resolve as perguntas que lhe são feitas com base em lembranças de resoluções utilizadas em alguns de seus duelos com vilões.



A verdade é que Slott deu um upgrade em praticamente todos os personagens, como por exemplo o J. Jonah Jameson que se tornou prefeito de Nova York, o Dr. Octopus que de simples vilão foi elevado a ameaça de nível global, a Tia May que agora é casada com o pai de Jameson, Phil Urich que personificou o novo Duende Macabro, entre outros.

É legal perceber que apesar de Slott apresentar dezenas de novos personagens e novos conceitos como os descritos acima, o escritor ainda consegue trabalhar de forma digna os personagens antigos (mortos ou não) sempre colocando nos roteiros referências e diálogos que demonstram o quanto ele realmente conhece e entende da cronologia e mitologia aracnídea. Um dos melhores exemplos disso é a história Ninguém Morre Hoje, publicada em Amazing Spider-Man # 655. Essa edição trata de mostrar Peter Parker tendo um estranho sonho,  logo após o funeral de uma importante personagem que vem a falecer, e Slott aproveita para encher a a narrativa de referências e personagens que já passarem pela vida do herói aracnídeo. É um verdadeiro banho de conhecimento, e uma homenagem digna aos anos de publicação do personagem.

Essa inovação trazida pelo escritor, porém respeitando o que já foi contado, é um ponto que também gosto muito. Gosto de roteiristas que inovam, e trazem um frescor às histórias. É chato quando nada de diferente acontece com o personagem durante anos, ainda mais em se tratando de quadrinhos americanos, em que os personagens são “eternos”.

Por isso eu gosto de caras como Dan Slott e o Grant Morrison por exemplo (que em sua passagem pelo Batman trouxe diversos novos conceitos além de mostrar todo o seu conhecimento da mitologia do personagem), que por mais que tenham umas ideias às vezes fora do normal e à primeira vista esquisitas, pelo menos dão uma balançada nas histórias convencionais, e trazem um conceito realmente NOVO, levando o personagem a locais antes desconhecidos. É ótima essa sensação de estar lendo algo novo e não uma história requentada inúmeras vezes.

Na verdade acho que o grande problema é esse, as pessoas ficam tão “acomodadas” com as histórias em quadrinhos e o seu ciclo repetitivo, que ficam revoltadas quando vem alguém e vira tudo de cabeça pra baixo. Sendo que no final das contas, todos sabemos que após cada uma dessas fases, as editoras dão um jeito de tudo voltar ao normal de novo e o ciclo recomeçar.
Então porque não curtir a viagem? Se as histórias pelo menos estão sendo divertidas? Não é esse o objetivo final de uma HQ no final das contas? Divertir?
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E é aí que entra a questão do HOMEM-ARANHA SUPERIOR.


O fato é que Superior Spider-Man É bom. A trama é boa, a execução é boa, é tudo muito bem trabalhado. Veja bem, a ideia ainda é bizarra, e na época que foi anunciada eu também fui um dos que virou a cara. O que aconteceu é que o rage dos leitores mais hardcore foi tão grande que acabou influenciando o restante, gerando uma mini-revolução (fãs xiitas adoram fazer isso, são carentes de atenção) chegando ao ponto até mesmo de ameaçarem de morte Dan Slott e sua família(!). Mas passado o ataque de infantilidade nerd, o preconceito foi deixado de lado e hoje em dia a revista ganhou um status de cult, tendo figurado entre as mais vendidas todos os meses em que esteve em publicação, sendo inclusive eleita a melhor revista em quadrinhos de 2013 nas listas de pelo menos dois sites americanos, sendo uma delas feita pelos próprios leitores.

Homem Aranha Superior, que já foi finalizada nos EUA e vem chegando à sua conclusão também aqui no Brasil, apresentou desde o início uma boa história e uma trama envolvente que se desenvolvia a olhos vistos, fruto do planejamento de Slott, que já vinha preparando o terreno várias edições atrás. E além disso, para os desesperados de plantão, ERA ÓBVIO que Peter Parker voltaria em breve, pelo amor de Deus. Não dá pra acreditar que teve gente achando que essa fase iria durar para sempre. Claro que Peter ia voltar cedo ou tarde. Assim, como eu disse lá em cima, aquele ciclo repetitivo se reinicia, como alguns leitores parecem gostar.


Felizmente, junto com o anúncio de Amazing Spider-Man #1 trazendo o retorno de Peter Parker, ficou confirmado que Dan Slott continua à frente dos roteiros do herói aracnídeo, para desespero dos chorões de plantão. Um alívio. Porque afinal, foi ele quem fez todo o crescimento de Peter Parker, fez a sua “derrocada” na fase Superior, e agora nada mais justo que ele mesmo conte como o Aranha vai se reerguer após a confusão que virou a sua vida. Planejamento a longo prazo Slott já mostrou que tem. E nele eu confio.

Os roteiros de Dan Slott na verdade lembram muito do saudoso David Michelinie, que também tinha uma visão muito boa do que é o Homem-Aranha, entendia muito bem a essência e o legado que Lee e Ditko deixaram e também cuidava brilhantemente do elenco de coadjuvantes, além de criar tramas interessantes para a vida pessoal de Peter Parker.

Analisando o texto do Slott, além dessas qualidades, percebe-se que ele é um excelente contador de histórias. Manja muito do ritmo narrativo, sabe até onde pode mostrar, sabe o momento certo de mandar o clímax, as reviravoltas, etc. Pelo que já foi mostrado até aqui, Dan Slott tem muito a contar ainda. Apesar do rage gerado pelo Homem-Aranha Superior (que repito, foi uma boa fase) seu saldo é muito positivo. Muito melhor do que roteiristas estrelinhas como o J. Michael Straczynski por exemplo, que quase acabou com o personagem quando inventou aquela imbecilidade de poderes totêmicos e aquele negócio bizarro das estacas saindo dos pulsos do Aranha (Deus, o que foi aquilo?), sem contar que mexeu na índole de Gwen Stacy, amada por todos os fãs do herói, e que foi rebaixada a uma traidora que ainda por cima engravidou do maior vilão do cara. Enfim, não é nem saudável lembrar disso.

Diria com pleno gozo de minhas faculdades mentais, que Dan Slott entra fácil em um Top 10 de melhores escritores do personagem. Só falta trazer a Mary Jane de volta para a vida do Peter para ser perfeito. O que, aliás, pode acabar acontecendo.



Matéria publicada por Murilo Oliveira em maio de 2015 e encaminhado pelo colaborador Jorge Luís.