[o artigo abaixo contém spoilers]
Roteiros de Jonathan Hickman
Desenhos de Jerome Opeña
Cores de Dean White
Desenhos de Jerome Opeña
Cores de Dean White
Como todas as
grandes ideias, os Vingadores começaram com uma premissa bem simples:
reunir os maiores super-heróis da Marvel numa só equipe com o objetivo de
combater ameaças que eles eram incapazes de derrotar sozinhos. Como todo bom
escritor que se preze deveria saber, os mitos de criação do universo figuram
entre algumas das melhores produções artísticas da humanidade, antes de serem
histórias em torno das quais religiões surgem. São poderosos o bastante para
evocarem profundas reflexões em quem entra em contato com eles, e como uma
reação em cadeia fractal reversa, tais reflexões da origem do macrocosmo podem
gerar explosões criativas no micro em direção ao cenário maior que se abre
quando voltamos nossos olhos para fora de nosso mundinho de individualidades,
planetas e sistemas solares, e olhamos para as galáxias, para os aglomerados
que estas formam, até chegarmos ao limite do nosso e esbarrar na fronteira do
universo vizinho, e assim por diante, chegando ao ponto em que nos damos conta
de que há um Multiverso de
possibilidades lá fora. Parece que foi pensando nisto tudo que Jonathan Hickman muito
sabiamente escolheu começar sua primeira edição como escritor de Avengers mostrando a origem do Universo Marvel e
as reverberações de sua explosão inicial, de um simples ponto luminoso no
espaço à complexidade de formas que assumiu ao condensar-se em aglomerados de
matéria, que por sua vez geraram formas de vida cada vez mais variadas, as
quais trouxeram inteligência ao Cosmo e com ela conflitos, que em algum momento
levaram ao surgimento de heróis para resolvê-los pelo bem de todos e pela
preservação da espécie à qual pertencem.
Vejamos: a introdução possui a mesma grandiosidade e
simbolismo de um mito bíblico. Fala de uma luz criadora, de uma guerra nos céus
e de uma queda.
Ex Nihilo é o cabeça de um novo grupo de
vilões que faz sua primeira aparição aqui. Não é à toa que seu nome é uma
expressão latina que significa, literalmente “do nada” como
em algo ou alguém surgido de lugar algum. É exatamente assim que ele se
manifesta, sem apresentar qualquer pista de onde veio, apenas do por quê de ter
vindo: julgar nosso mundo (objetivo muito semelhante ao do Celestial Arisham, criado por Jack Kirby para
o título The Eternals,
que veio à Terra anos atrás para decidir se a humanidade seria ou não extinta
por sua raça de engenheiros genéticos). Num toque de ironia, ele carrega
impressa no corpo (ou traje, isto ainda não ficou muito claro) a letra ômega (Ω), que como todos devem saber é a última letra do
alfabeto grego, e simboliza, o fim de uma era ou ciclo. O que é muito
significativo, pois estabelece outra referência bíblica, pois no Novo Testamento, Deus é definido como o “alfa e o ômega,
o princípio e o fim, o primeiro e o último.” E atentem para o
poder de Ex Nihilo: ele não apenas é capaz de gerar vida espontaneamente, como
seu ataque à Terra consiste no lançamento de “bombas de criação” de sua base em
Marte: armas que, quando detonadas num centro urbano, que é o que ocorre na
história, inicia um processo de terraformação e aceleração da evolução da vida
no local atingido, destruindo edifícios com o crescimento acelerado de plantas
e outros seres vivos no ambiente (como curiosidade vale apontar que seu efeito
é muito parecido com o causado pelo uso da Semente da Vida, vista no arco “A Saga do Anjo Negro”, do título X-Force, que também foi desenhado por Jerome Opeña, responsável pelos desenhos desta
primeira edição).
Dicas breves são
apresentadas sobre a possível origem e natureza do grupo comandado por Ex
Nihilo, a começar pelo nome: Garden, o Jardim, como em Jardim do Éden, o Paraíso Perdido
do mito de Adão e Eva. Seus demais integrantes são:
Aleph: um robô cujo nome vêm da primeira
letra do alfabeto proto-canaanita, um dos primeiros alfabetos inventados pelo
homem (a história é mais complexa que isto, portanto recomendo uma pesquisa
mais aprofundada se o assunto despertar-lhe interesse), que no caso do
personagem parece representar o princípio de uma grande mudança ou
“recodificação” (um termo usado pelo próprio personagem em dado momento da
trama) a ocorrer após uma destruição em escala mundial, uma ideia que ele
martela praticamente a cada aparição que faz.
Abyss: Uma
mulher capaz de gerar um tipo de cela de sombras e espaço nulo, além de ter uma
voz com alto teor de persuasão. Seu nome, Abismo em inglês, pode ter relação com o
nada de onde Tudo surgiu. Talvez ela até seja a mãe de Ex Nihilo, embora não
haja nenhuma pista neste sentido.
Notável é a forma como, em poucas páginas, Hickman já
estabelece o suficiente de cada um dos três novos personagens para que o leitor
entenda o básico da dinâmica entre eles. Ex Nihilo é um idealista, um “vilão”
que faz o possível pra poupar a vida de seus adversários, e prefere, no lugar
de matá-los, transformá-los em seres melhores. Ele vê as coisas como elas podem
ser. Aleph é uma máquina de visão limitada, que vê as coisas como elas não mais
deveriam ser, e busca apenas um objetivo que é sua razão de ser: aniquilação
total. Entre os dois está Abyss, a mais racional do trio, que vê as coisas como
elas são de fato.
Mas, vamos
deixar os vilões um pouco de lado e voltar aos Vingadores. Toda a premissa
desta nova série partiu da última página da série anterior da equipe, quando o Capitão América confessou
ao Homem de Ferro que
tinha medo do que o futuro reservava ao grupo.
Como um homem cujo
trabalho é enxergar tendências e antecipar crises e problemas futuros a fim de
criar soluções antes que eles tomem forma, Tony Stark, muito sucinto, pergunta
a Steve Rogers “o que faremos agora?”, e responde sua própria
pergunta com uma frase igualmente simples: “Nos
tornamos maiores.”
A ideia de Hickman,
e consequentemente do Homem de Ferro, apoiado pelo Capitão América, é tornar os
Vingadores um grupo cuja área de atuação e intervenção seja diretamente
proporcional à escala da crise que devem enfrentar. Assim é iniciado um projeto
chamado Avengers World (Mundo
dos Vingadores), que basicamente envolve o recrutamento de vários super-humanos
do mundo inteiro para se tornarem membros-reserva dos Vingadores, convocados
conforme o tipo e o nível da crise em andamento. O objetivo básico do projeto é apenas
introduzido nesta edição, cuja trama é mais focada no primeiro confronto entre
os Vingadores veteranos e o Garden.
Porém, mais
interessante que acompanhar o confronto principal desta primeira edição é
observar o tema recorrente ao longo de toda a história. Vejam, por exemplo os
seis quadros apresentados nas páginas 4 e 5, que mostram, na primeira delas,
crises em formação, e na segunda crises já em andamento ou em estágio avançado,
ecoando a ideia que percorre praticamente todas as páginas, de pequenas
fagulhas que geraram grandes explosões, de ideias simples que se
tornaram grandes ideias. E não deixem de reparar em como as páginas finais
fecham com chave de ouro esta série de analogias aos mitos da criação do mundo,
quando o Primeiro Vingador “acorda o mundo” e expande o conceito
de equipe, da qual foi integrante desde sua primeira formação, tornando-a
maior em resposta à grande ameaça que cresce no horizonte.
Não sei vocês, mas sempre me emociona ver um escritor
talentoso como Hickman elevando o nível da narrativa, e carregando-a de
significados e possibilidades de leitura, ao mesmo tempo que não força o leitor
a mergulhar fundo nos subtextos para apreciar a história que está contando. É
assim que grandes clássicos se formam, e felizmente, ao lado de Thor, de Jason Aaron, parece ser o caso
aqui. Desde já o melhor título da Marvel NOW!
Fonte: Nerd GeekFeelings
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