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Planeta Marvel NOW: Avengers #1

[o artigo abaixo contém spoilers]

Roteiros de Jonathan Hickman
Desenhos de Jerome Opeña
Cores de Dean White

Como todas as grandes ideias, os Vingadores começaram com uma premissa bem simples: reunir os maiores super-heróis da Marvel numa só equipe com o objetivo de combater ameaças que eles eram incapazes de derrotar sozinhos. Como todo bom escritor que se preze deveria saber, os mitos de criação do universo figuram entre algumas das melhores produções artísticas da humanidade, antes de serem histórias em torno das quais religiões surgem. São poderosos o bastante para evocarem profundas reflexões em quem entra em contato com eles, e como uma reação em cadeia fractal reversa, tais reflexões da origem do macrocosmo podem gerar explosões criativas no micro em direção ao cenário maior que se abre quando voltamos nossos olhos para fora de nosso mundinho de individualidades, planetas e sistemas solares, e olhamos para as galáxias, para os aglomerados que estas formam, até chegarmos ao limite do nosso e esbarrar na fronteira do universo vizinho, e assim por diante, chegando ao ponto em que nos damos conta de que há um Multiverso de possibilidades lá fora. Parece que foi pensando nisto tudo que Jonathan Hickman muito sabiamente escolheu começar sua primeira edição como escritor de Avengers mostrando a origem do Universo Marvel e as reverberações de sua explosão inicial, de um simples ponto luminoso no espaço à complexidade de formas que assumiu ao condensar-se em aglomerados de matéria, que por sua vez geraram formas de vida cada vez mais variadas, as quais trouxeram inteligência ao Cosmo e com ela conflitos, que em algum momento levaram ao surgimento de heróis para resolvê-los pelo bem de todos e pela preservação da espécie à qual pertencem.

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Sim, estou ciente de que o parágrafo anterior ficou grande demais, mas é difícil falar de uma abordagem tão ampla e rica em significados como a usada por Hickman aqui, sem deixar-se levar pelas reflexões e leituras que ele leva o leitor a fazer em apenas 25 páginas. O escritor que salvou o Quarteto Fantástico da estagnação, e tornou o título do grupo novamente aquele palco de amplitude cósmica pelo qual desfilou grandes ideias bem executadas de nomes como Stan Lee, Jack Kirby e John Byrne, aqui faz talvez seu trabalho mais denso e intrincado, embora, numa primeira leitura, ele pareça muito simples.
Vejamos: a introdução possui a mesma grandiosidade e simbolismo de um mito bíblico. Fala de uma luz criadora, de uma guerra nos céus e de uma queda.
Ex Nihilo é o cabeça de um novo grupo de vilões que faz sua primeira aparição aqui. Não é à toa que seu nome é uma expressão latina que significa, literalmente “do nada” como em algo ou alguém surgido de lugar algum. É exatamente assim que ele se manifesta, sem apresentar qualquer pista de onde veio, apenas do por quê de ter vindo: julgar nosso mundo (objetivo muito semelhante ao do Celestial Arisham, criado por Jack Kirby para o título The Eternals, que veio à Terra anos atrás para decidir se a humanidade seria ou não extinta por sua raça de engenheiros genéticos). Num toque de ironia, ele carrega impressa no corpo (ou traje, isto ainda não ficou muito claro) a letra ômega (Ω), que como todos devem saber é a última letra do alfabeto grego, e simboliza, o fim de uma era ou ciclo. O que é muito significativo, pois estabelece outra referência bíblica, pois no Novo Testamento, Deus é definido como o “alfa e o ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o último.” E atentem para o poder de Ex Nihilo: ele não apenas é capaz de gerar vida espontaneamente, como seu ataque à Terra consiste no lançamento de “bombas de criação” de sua base em Marte: armas que, quando detonadas num centro urbano, que é o que ocorre na história, inicia um processo de terraformação e aceleração da evolução da vida no local atingido, destruindo edifícios com o crescimento acelerado de plantas e outros seres vivos no ambiente (como curiosidade vale apontar que seu efeito é muito parecido com o causado pelo uso da Semente da Vida, vista no arco “A Saga do Anjo Negro”, do título X-Force, que também foi desenhado por Jerome Opeña, responsável pelos desenhos desta primeira edição).

Dicas breves são apresentadas sobre a possível origem e natureza do grupo comandado por Ex Nihilo, a começar pelo nome: Garden, o Jardim, como em Jardim do Éden, o Paraíso Perdido do mito de Adão e Eva. Seus demais integrantes são:

Aleph: um robô cujo nome vêm da primeira letra do alfabeto proto-canaanita, um dos primeiros alfabetos inventados pelo homem (a história é mais complexa que isto, portanto recomendo uma pesquisa mais aprofundada se o assunto despertar-lhe interesse), que no caso do personagem parece representar o princípio de uma grande mudança ou “recodificação” (um termo usado pelo próprio personagem em dado momento da trama) a ocorrer após uma destruição em escala mundial, uma ideia que ele martela praticamente a cada aparição que faz.
Abyss: Uma mulher capaz de gerar um tipo de cela de sombras e espaço nulo, além de ter uma voz com alto teor de persuasão. Seu nome, Abismo em inglês, pode ter relação com o nada de onde Tudo surgiu. Talvez ela até seja a mãe de Ex Nihilo, embora não haja nenhuma pista neste sentido.
Notável é a forma como, em poucas páginas, Hickman já estabelece o suficiente de cada um dos três novos personagens para que o leitor entenda o básico da dinâmica entre eles. Ex Nihilo é um idealista, um “vilão” que faz o possível pra poupar a vida de seus adversários, e prefere, no lugar de matá-los, transformá-los em seres melhores. Ele vê as coisas como elas podem ser. Aleph é uma máquina de visão limitada, que vê as coisas como elas não mais deveriam ser, e busca apenas um objetivo que é sua razão de ser: aniquilação total. Entre os dois está Abyss, a mais racional do trio, que vê as coisas como elas são de fato.
Mas, vamos deixar os vilões um pouco de lado e voltar aos Vingadores. Toda a premissa desta nova série partiu da última página da série anterior da equipe, quando o Capitão América confessou ao Homem de Ferro que tinha medo do que o futuro reservava ao grupo.

Como um homem cujo trabalho é enxergar tendências e antecipar crises e problemas futuros a fim de criar soluções antes que eles tomem forma, Tony Stark, muito sucinto, pergunta a Steve Rogers “o que faremos agora?”, e responde sua própria pergunta com uma frase igualmente simples: “Nos tornamos maiores.”

A ideia de Hickman, e consequentemente do Homem de Ferro, apoiado pelo Capitão América, é tornar os Vingadores um grupo cuja área de atuação e intervenção seja diretamente proporcional à escala da crise que devem enfrentar. Assim é iniciado um projeto chamado Avengers World (Mundo dos Vingadores), que basicamente envolve o recrutamento de vários super-humanos do mundo inteiro para se tornarem membros-reserva dos Vingadores, convocados conforme o tipo e o nível da crise em andamento. O objetivo básico do projeto é apenas introduzido nesta edição, cuja trama é mais focada no primeiro confronto entre os Vingadores veteranos e o Garden.

Porém, mais interessante que acompanhar o confronto principal desta primeira edição é observar o tema recorrente ao longo de toda a história. Vejam, por exemplo os seis quadros apresentados nas páginas 4 e 5, que mostram, na primeira delas, crises em formação, e na segunda crises já em andamento ou em estágio avançado, ecoando a ideia que percorre praticamente todas as páginas, de pequenas fagulhas que geraram grandes explosões, de ideias simples que se tornaram grandes ideias. E não deixem de reparar em como as páginas finais fecham com chave de ouro esta série de analogias aos mitos da criação do mundo, quando o Primeiro Vingador “acorda o mundo” e expande o conceito de equipe, da qual foi integrante desde sua primeira formação, tornando-a maior em resposta à grande ameaça que cresce no horizonte.
Não sei vocês, mas sempre me emociona ver um escritor talentoso como Hickman elevando o nível da narrativa, e carregando-a de significados e possibilidades de leitura, ao mesmo tempo que não força o leitor a mergulhar fundo nos subtextos para apreciar a história que está contando. É assim que grandes clássicos se formam, e felizmente, ao lado de Thor, de Jason Aaron, parece ser o caso aqui. Desde já o melhor título da Marvel NOW!


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