[o artigo abaixo contém spoilers]
Roteiros de Mark Waid
Desenhos de Leinil Francis Yu
Desenhos de Leinil Francis Yu
O Hulk é
um personagem que já passou por muitas transformações desde sua estreia nos
quadrinhos em 1962. Começou como um monstro cinza irracional que depois
tornou-se verde (tudo por conta de um erro da gráfica que imprimiu as primeiras
histórias do personagem, e que acabou incorporado à sua mitologia). Em algumas
histórias o Hulk era incapaz de dizer uma frase inteira, em outras ele assumia
a personalidade do Sr. Tira Teima, uma versão mais impulsiva e casca-grossa
de Bruce Banner, seu alter-ego. E também houve aquelas em que Banner conseguiu
preservar sua mente como a dominante sobre o corpo super-poderoso do Gigante
Esmeralda.
Daí pra frente o
personagem passou por uma série de outras histórias que levaram ao surgimento
do Hulk Vermelho (!), de Skarr, o
filho do Hulk (!!), que ele acreditava ter morrido na
explosão que matou sua esposa alienígena, e até mesmo de uma Mulher Hulk Vermelha (!!?).
Infelizmente (ou não, dependendo do gosto de cada leitor), terei que passar por
cima de um bocado de cronologia aqui, pois esta é uma fase que não acompanhei
de perto, e não fiz muita questão, devido à qualidade questionável das
histórias.
O Hulk voltou a
chamar minha atenção durante a breve fase em que seu título principal, The Incredible Hulk, foi zerado e passou a ser
escrito por um dos meus roteiristas preferidos atualmente, Jason Aaron, que apesar de não ter ignorado totalmente
a maioria das bagunças feitas com o personagem nos últimos anos, fez questão de
tirar sarro de algumas delas, algo que refletiu em todas as 16 edições que roteirizou.
É provavelmente a sequência de histórias mais ensandecidas protagonizadas pelo
Gigante Esmeralda, que começou com Hulk e Bruce Banner fisicamente separados,
graças às maquinações do próprio Hulk, que já estava cansado de ser barrado
pelo “fresco” do Dr. Banner. Graças à esta separação Banner transformou-se
literalmente num cientista louco, com direito a ir viver numa ilha habitada por
monstros criados por ele utilizando radiação gama.
Esta sequência
inteira de histórias teve como mote uma longa disputa entre o monstro e o
cientista, e apresentava um chute ao balde atrás do outro. Não dava pra levar
nada a sério, e este foi justamente o objetivo do escritor, que priorizou
a diversão acima da seriedade e até mesmo da lógica (num dos últimos arcos de
Aaron no título as histórias deixavam ganchos que eram quase completamente
ignorados na edição seguinte, e lembravam muito os erros de continuidade entre
um filme e outro da série Evil Dead). Pra não perder a deixa do parêntese
anterior, foi uma viagem alucinante e muito divertida, que rendeu uma das fases
mais curiosas do personagem. Há quem aposte que está destinada a tornar-se, se
não um clássico, ao menos um período cultuado do Hulk daqui a alguns anos.
Especulações à parte, no final de seu período como
escritor, Aaron deixou o personagem pronto para começar uma nova etapa de sua
vida, com Banner e Hulk novamente dividindo uma mesma existência física, e um
tendo que ceder ao outro o controle do corpo.
Boa parte da
história de Indestructible Hulk #1 parece uma sequência de um filme do Quentin Tarantino adaptado para o mundo dos
super-heróis. Acompanhamos uma conversa entre Maria Hill, atual diretora da S.H.I.E.L.D., e Bruce Banner, numa lanchonete em
uma cidadezinha no meio do nada.
O primeiro detalhe que chama atenção é que o cenário onde o
diálogo ocorre está abarrotado de gente. Toda hora alguém se levanta, se
espreme entre as cadeiras para se locomover, e a qualquer momento um dos
clientes pode dar um esbarrão no Banner, ou uma garçonete pode se desequilibrar
e deixar algo cair sobre ele, e irritá-lo, e todos já sabemos o que acontece em
seguida, certo? Fora estes detalhes, ainda há o nervosismo de Maria Hill, que
fica olhando para um relógio de tempos em tempos, o que carrega ainda mais na
tensão de toda a longa sequência em que Banner expõe suas ideias a ela.
Agora
falemos do que levou Banner a abordar alguém que poderia facilmente mobilizar
uma equipe inteira de agentes da S.H.I.E.L.D. para capturá-lo ali mesmo.
Primeiro ele diz que finalmente aceitou que o Hulk não pode ser “curado”, que
ele é como uma doença crônica, como a diabetes ou a esclerose múltipla. Uma
condição que não deve ser curada, mas controlada e monitorada. Consciente disto
ele resolve começar uma nova fase de sua vida com o objetivo de compensar todos
os problemas e toda a destruição causada por seu monstro interior. “Usar a Hora do Banner mais produtivamente.”
Banner já está
cansado de ver Reed Richards e Tony Stark salvando
o mundo com sua genialidade quando ele próprio tem tanta capacidade quanto eles
para entrar para história como um dos maiores gênios da humanidade. Por isto
ele decide que está na hora de fazer coisas boas para a humanidade, inventando,
consertando e melhorando coisas.
Porém, para isto, ele precisa de recursos para montar
um laboratório que lhe dê condições de realizar novos avanços científicos, e de
uma equipe que encare o Hulk não como uma bomba, mas como uma arma que deve ser
apontada na direção correta quando ele se manifestar. É aí que entra a grana e
os agentes da S.H.I.E.L.D.
Depois disto a
edição concentra-se na primeira missão improvisada de Hulk como agente da
S.H.I.E.L.D. Seu primeiro adversário é o Pensador Louco, um cientista. Aqui entra um
comentário sutil de Waid sobre a fase anterior escrita por Aaron. Hulk luta
novamente contra um cientista louco, mas enquanto lá era o próprio Banner que
estava louco, e procurava um meio de recuperar o monstro para reestabelecer sua
sanidade, aqui o monstro ganha a permissão de sua contraparte cientista para
eliminar a ameaça de outro, que emprega a ciência para fins escusos, o que vai
contra as pretensões atuais de Banner. Agora que sua sanidade está
reestabelecida é a hora de “curar” o mundo usando sua própria “doença” como
“vacina” para a eliminação dessas anomalias maléficas da ciência. Uma metáfora
inteligente, feita sem alarde, é o que temos aqui.
Outro ponto a ser destacado é o próprio envolvimento
do Hulk com a S.H.I.E.L.D. que soa como uma jogada do próprio Waid para
aproximar o personagem dos quadrinhos de seu status no universo Marvel dos
cinemas.
E não posso
deixar de elogiar a arte de Leinil Francis Yu, que aqui usa um traço mais solto e
selvagem que combina com a ferocidade do Hulk, especialmente nas cenas de ação.
Mas também empregou um estilo mais contido e detalhista na hora de desenhar as
máquinas do Pensador Louco e todos os figurantes da cena do restaurante, dando
rostos às possíveis vítimas de um Hulk descontrolado num ambiente fechado e
lotado, algo que confere mais urgência e tensão à cena.
É uma grande estréia de Mark Waid nos roteiros, que
em poucas páginas deu conta de apresentar sua visão do personagem, expôr a
forma que pretende explorá-lo, e mostrar que pode ser um roteirista ainda
melhor do que já é. Sem dúvida um dos melhores profissionais do ramo em atividade
no mundo dos quadrinhos. Sempre bom vê-lo nos créditos de qualquer HQ.
Fonte: Nerd GeekFeelings
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