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Planeta Marvel NOW: Indestructible Hulk #1

[o artigo abaixo contém spoilers]

Roteiros de Mark Waid
Desenhos de Leinil Francis Yu

O Hulk é um personagem que já passou por muitas transformações desde sua estreia nos quadrinhos em 1962. Começou como um monstro cinza irracional que depois tornou-se verde (tudo por conta de um erro da gráfica que imprimiu as primeiras histórias do personagem, e que acabou incorporado à sua mitologia). Em algumas histórias o Hulk era incapaz de dizer uma frase inteira, em outras ele assumia a personalidade do Sr. Tira Teima, uma versão mais impulsiva e casca-grossa de Bruce Banner, seu alter-ego. E também houve aquelas em que Banner conseguiu preservar sua mente como a dominante sobre o corpo super-poderoso do Gigante Esmeralda.


O Hulk já foi um monstro perseguido pelo exército; um herói que integrou equipes como os Vingadores, os Defensores, e até mesmo uma das versões mais inusitadas do Quarteto Fantástico; e, por fim, tornou-se imperador de um mundo alienígena, para onde foi enviado por outros super-heróis da Terra a fim de impedi-lo de continuar uma onda de destruição que havia iniciado. Esta fase, em especial, rendeu um dos poucos momentos em que o monstro encontrou a felicidade, quando, após derrubar o governo de um imperador sanguinário, casou-se com uma guerreira, e teve um filho com ela. Porém, esta felicidade não durou muito graças à tragédia ocorrida logo depois, quando a capital de seu império foi destruída pela explosão do motor da nave em que viajou da Terra até aquele mundo, matando sua esposa e o bebê que ela carregava no útero. Sabendo que a nave foi obra de Tony Stark e Reed Richards, dois dos responsáveis pelo plano de exilá-lo, ele decidiu voltar para Terra para vingar-se daqueles que arruinaram sua maior conquista, levando consigo os sobreviventes do planeta destruído, e declarando guerra a praticamente todos os super-heróis de nosso mundo. Guerra esta que ele perdeu.

Daí pra frente o personagem passou por uma série de outras histórias que levaram ao surgimento do Hulk Vermelho (!), de Skarr, o filho do Hulk (!!), que ele acreditava ter morrido na explosão que matou sua esposa alienígena, e até mesmo de uma Mulher Hulk Vermelha (!!?). Infelizmente (ou não, dependendo do gosto de cada leitor), terei que passar por cima de um bocado de cronologia aqui, pois esta é uma fase que não acompanhei de perto, e não fiz muita questão, devido à qualidade questionável das histórias.

O Hulk voltou a chamar minha atenção durante a breve fase em que seu título principal, The Incredible Hulk, foi zerado e passou a ser escrito por um dos meus roteiristas preferidos atualmente, Jason Aaron, que apesar de não ter ignorado totalmente a maioria das bagunças feitas com o personagem nos últimos anos, fez questão de tirar sarro de algumas delas, algo que refletiu em todas as 16 edições que roteirizou. É provavelmente a sequência de histórias mais ensandecidas protagonizadas pelo Gigante Esmeralda, que começou com Hulk e Bruce Banner fisicamente separados, graças às maquinações do próprio Hulk, que já estava cansado de ser barrado pelo “fresco” do Dr. Banner. Graças à esta separação Banner transformou-se literalmente num cientista louco, com direito a ir viver numa ilha habitada por monstros criados por ele utilizando radiação gama.

Esta sequência inteira de histórias teve como mote uma longa disputa entre o monstro e o cientista, e apresentava um chute ao balde atrás do outro. Não dava pra levar nada a sério, e este foi justamente o objetivo do escritor, que priorizou a diversão acima da seriedade e até mesmo da lógica (num dos últimos arcos de Aaron no título as histórias deixavam ganchos que eram quase completamente ignorados na edição seguinte, e lembravam muito os erros de continuidade entre um filme e outro da série Evil Dead). Pra não perder a deixa do parêntese anterior, foi uma viagem alucinante e muito divertida, que rendeu uma das fases mais curiosas do personagem. Há quem aposte que está destinada a tornar-se, se não um clássico, ao menos um período cultuado do Hulk daqui a alguns anos.
Especulações à parte, no final de seu período como escritor, Aaron deixou o personagem pronto para começar uma nova etapa de sua vida, com Banner e Hulk novamente dividindo uma mesma existência física, e um tendo que ceder ao outro o controle do corpo.

Boa parte da história de Indestructible Hulk #1 parece uma sequência de um filme do Quentin Tarantino adaptado para o mundo dos super-heróis. Acompanhamos uma conversa entre Maria Hill, atual diretora da S.H.I.E.L.D., e Bruce Banner, numa lanchonete em uma cidadezinha no meio do nada.
O primeiro detalhe que chama atenção é que o cenário onde o diálogo ocorre está abarrotado de gente. Toda hora alguém se levanta, se espreme entre as cadeiras para se locomover, e a qualquer momento um dos clientes pode dar um esbarrão no Banner, ou uma garçonete pode se desequilibrar e deixar algo cair sobre ele, e irritá-lo, e todos já sabemos o que acontece em seguida, certo? Fora estes detalhes, ainda há o nervosismo de Maria Hill, que fica olhando para um relógio de tempos em tempos, o que carrega ainda mais na tensão de toda a longa sequência em que Banner expõe suas ideias a ela.
Agora falemos do que levou Banner a abordar alguém que poderia facilmente mobilizar uma equipe inteira de agentes da S.H.I.E.L.D. para capturá-lo ali mesmo. Primeiro ele diz que finalmente aceitou que o Hulk não pode ser “curado”, que ele é como uma doença crônica, como a diabetes ou a esclerose múltipla. Uma condição que não deve ser curada, mas controlada e monitorada. Consciente disto ele resolve começar uma nova fase de sua vida com o objetivo de compensar todos os problemas e toda a destruição causada por seu monstro interior. “Usar a Hora do Banner mais produtivamente.”

Banner já está cansado de ver Reed Richards e Tony Stark salvando o mundo com sua genialidade quando ele próprio tem tanta capacidade quanto eles para entrar para história como um dos maiores gênios da humanidade. Por isto ele decide que está na hora de fazer coisas boas para a humanidade, inventando, consertando e melhorando coisas.
Porém, para isto, ele precisa de recursos para montar um laboratório que lhe dê condições de realizar novos avanços científicos, e de uma equipe que encare o Hulk não como uma bomba, mas como uma arma que deve ser apontada na direção correta quando ele se manifestar. É aí que entra a grana e os agentes da S.H.I.E.L.D.
Depois disto a edição concentra-se na primeira missão improvisada de Hulk como agente da S.H.I.E.L.D. Seu primeiro adversário é o Pensador Louco, um cientista. Aqui entra um comentário sutil de Waid sobre a fase anterior escrita por Aaron. Hulk luta novamente contra um cientista louco, mas enquanto lá era o próprio Banner que estava louco, e procurava um meio de recuperar o monstro para reestabelecer sua sanidade, aqui o monstro ganha a permissão de sua contraparte cientista para eliminar a ameaça de outro, que emprega a ciência para fins escusos, o que vai contra as pretensões atuais de Banner. Agora que sua sanidade está reestabelecida é a hora de “curar” o mundo usando sua própria “doença” como “vacina” para a eliminação dessas anomalias maléficas da ciência. Uma metáfora inteligente, feita sem alarde, é o que temos aqui.
Outro ponto a ser destacado é o próprio envolvimento do Hulk com a S.H.I.E.L.D. que soa como uma jogada do próprio Waid para aproximar o personagem dos quadrinhos de seu status no universo Marvel dos cinemas.
E não posso deixar de elogiar a arte de Leinil Francis Yu, que aqui usa um traço mais solto e selvagem que combina com a ferocidade do Hulk, especialmente nas cenas de ação. Mas também empregou um estilo mais contido e detalhista na hora de desenhar as máquinas do Pensador Louco e todos os figurantes da cena do restaurante, dando rostos às possíveis vítimas de um Hulk descontrolado num ambiente fechado e lotado, algo que confere mais urgência e tensão à cena.
É uma grande estréia de Mark Waid nos roteiros, que em poucas páginas deu conta de apresentar sua visão do personagem, expôr a forma que pretende explorá-lo, e mostrar que pode ser um roteirista ainda melhor do que já é. Sem dúvida um dos melhores profissionais do ramo em atividade no mundo dos quadrinhos. Sempre bom vê-lo nos créditos de qualquer HQ.


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