Diz a lenda sobre os bastidores da
criação de Watchmen que os editores ofereceram á Alan Moore os personagens da
Charlton, editora falida cuja maior parte dos personagens foi criada por Steve
Ditko quando ele saiu da Marvel, e que o espólio foi arrematado pela DC Comics.
O escritor teria aceitado, mas fez uma contraproposta, que faria tudo do jeito
dele. O resultado os fãs de quadrinhos conhecem. Em Espectral esse conceito de
releitura fica mais evidente, mas nem por isso menos legal.
O grande o
conflito da história é luta entre uma jovem que não quer nada além de levar uma
vida normal, contra uma mãe dominadora e manipuladora, que a prepara desde a
mais tenra idade para que ela assuma seu legado de heroína e leve seu nome a um
patamar nunca antes alcançado. Não há super poderes como nos mutantes da
editora concorrente, mas o despertar da sexualidade e passagem da adolescência
para vida adulta é o estopim da transformação.
A jovem Laurie vive a dicotomia de
ser uma atleta brilhante, linda, que poderia ser a garota mais popular da
escola, mas vive sob a sombra de uma mãe dominadora, castradora, que desde a
infância faz de tudo para manter a filha longe de problemas, leia-se meninos,
para que ela não cometa os mesmos erros da Espectral original. Porém as duas
têm um gênio difícil, e a primeira paixão dá coragem à menina para fugir em
busca de sua felicidade, tendo o amparo de um namorado, que apesar de bem mais
fraco que ela, não só fisicamente, serve como uma muleta emocional para que ela
mude vida.
Tudo
acontece nos coloridos e loucos anos sessenta, época dos hippies, dos
movimentos pelos direitos civis, contra o racismo, e principalmente do tripé
sexo, drogas e rock´n roll. Nesse cenário a escolha mais óbvia é que os
personagens rumem para a Califórnia, mais precisamente para São Francisco,
principal polo da contracultura que estava surgindo na época.
Ali não é só
a descoberta do amor e das responsabilidades de uma vida a dois que a jovem
encontrou, mas também achou a criminalidade, o tráfico de drogas, a violência,
os problemas típicos de uma cidade grande, bem diferente do subúrbio americano
em que a protagonista cresceu.
O interessante aqui é escolha dos
vilões e suas motivações, o grande chefão do tráfico é uma caricatura Frank
Sinatra, um dos maiores cantores de todos os tempos, e a música tem uma
importância muito grande na trama, contando com participações anônimas, ou
melhor, de personagens equivalentes aos Beatles, The Who e Doors.
Nesse ponto
da história o escritor Darwyn Cooke mostra o quanto é genial, ao estabelecer um
elo entre os distantes anos sessenta e os dias atuais, criticando a sociedade
de consumo, a indústria fonográfica, e aqueles poderosos desconhecidos que nos
dizem o que ouvir, o que comprar e como viver. É algo meio mirabolante, uma
viagem como diriam na época, e se fosse feito por mãos menos hábeis teria
ficado ridículo, mas aqui rende uma história em quadrinhos divertida e ao mesmo
tempo crítica, algo muito difícil de fazer.
Diante das dificuldades e sem a
proteção da mamãe, Laurie decide se tornar uma heroína, ainda sem usar o nome
Espectral, e com figurino bem diferente do original. A essa altura da trama a
filha torna-se mais parecida com sua mãe do que imagina, mostrando que os
valores a ela transmitidos, assim como seu treinamento físico, as aproximam
mais do que as separam. No fundo a filha tem que se rebelar, tem que crescer
para descobrir a força interior que fará dela uma heroína igual a mãe que ela
tanto repudiava.
Outro ponto
interessante é a participação do Comediante e de Holis Mason, o Coruja
original. Ambos são os dois lados de figuras paternas para a protagonista,
principalmente Holis, cujo relacionamento com Laurie lembra muito a amizade
entre o Pantera e a Canário Negro, da série Liga da Justiça sem Limites, ele o
paizão, o amigo e o treinador.
Pra fechar uma ótima história vale a
pena destacar o trabalho da desenhista Amanda Conner, velha conhecida dos
leitores da DC Comics, especialmente da Liga e da Sociedade da Justiça. A arte
é leve e flui bem com o desenvolvimento do roteiro, o desenho não é nem tão
realista, mas também não é estilizado, fica num meio termo, interessante e que
a artista sabe dosar bem, inclusive com alguns momentos em que dobra a
narrativa convencional para retratar as experiências dos personagens com as
drogas.
Mesmo não contando
com uma equipe tão badalada quanto a minissérie do Coruja, Antes de Watchmen:
Espectral consegue um resultado bem mais interessante, uma história em
quadrinhos que se não é tão brilhante quanto a obra original, presta uma bela
homenagem ao trabalho de Alan Moore e Dave Gibbons.
Fonte: Impulso HQ
2 Comentários
eu queria muito ver a "Dicotomia" da Laurie Espectral...Marcos Punch.
ResponderExcluirUma das poucas HQs do Antes de Watchmen que eu li, mas não gostei.
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