Grant Morrison é um cara
genial. Dedicado em fazer uma profunda pesquisa em todo roteiro que
escreve, e enchendo a história de referências, o escocês careca é um dos
melhores roteiristas que a indústria dos quadrinhos já conheceu.
Um grande fã confesso da era de ouro
dos quadrinhos, Morrison sempre dá um jeito de inserir em seus roteiros
homenagens ou situações que façam referência à essa época. Seja
relembrando acontecimentos que nem a cronologia da editora considera
mais, ou trazendo de volta personagens já esquecidos, ele tem prazer em montar
um quebra-cabeças onde tudo mostrado nos primórdios de um personagem possa ser
encaixado e considerado na atualidade. E foi isso que ele tentou fazer (e fez)
com o Batman.
Mas como inserir nas histórias
de um personagem que desde a década de 80 é taciturno e sombrio,
elementos de quando ele era sorridente e bem humorado? Particularmente gosto
muito do que Morrison fez enquanto escreveu Batman, e considero que todos os
elementos que ele utilizou da Era de Ouro para construir seu roteiro teve
sentido e foi bem trabalhado dentro da história. Mas para quem não gostou
desse clima diferente nas histórias do Cavaleiro das Trevas, aqui está o
momento em que o frescor da era de ouro permeia as páginas de forma
completamente funcional transformando um Batman sorridente em algo incrível e
coerente. A diferença? Esse Batman não é Bruce Wayne.
Dado como morto após os eventos
da minissérie Crise Final (também escrita por Morrison), Gotham está sem o
seu maior protetor: Batman. E boatos sobre a morte do herói já se espalham entre
os criminosos nos becos da cidade, fazendo com que todo tipo de meliante
comece a agir despreocupado sabendo que não será impedido. É a máxima de que
Gotham precisa do Batman. Gotham precisa de um Batman.
E é isso que vamos ver em Batman
& Robin: Edição Definitiva, lançamento recente da Panini Comicscompilando
em 444 páginas essa fase incrível do personagem.
Aqui, temos no início da história
Dick Grayson (o Asa Noturna e primeiro Robin) continuando o legado de Bruce
Wayne, e vestindo o capuz de Batman para defender Gotham City. É a evolução
natural. Aprendiz continua o legado do seu mentor. A premissa por si só já é
ótima.
Mas o modo como Morrison trabalha essa passagem de bastão é que se faz digna de nota. Dick não passa a ser o Batman simplesmente por vestir uma roupa de morcego. Ele não é Bruce Wayne. E descobre isso da maneira mais difícil.
Mas o modo como Morrison trabalha essa passagem de bastão é que se faz digna de nota. Dick não passa a ser o Batman simplesmente por vestir uma roupa de morcego. Ele não é Bruce Wayne. E descobre isso da maneira mais difícil.
O legal aqui é que sentimos o peso
do uniforme. O peso do legado. Dick sente esse peso e se pergunta como Bruce
conseguia. O conflito do personagem é muito interessante pois lembra ao leitor
constantemente que aquele ali não é o Batman que conhecemos, tornando uma
narrativa muito agradável, pois realmente passa a sensação de estarmos vendo um
substituto.
Não acontece como em outras
histórias de substitutos nos quadrinhos, onde às vezes até esquecemos que é
outro personagem utilizando o uniforme do herói. Aqui a diferença entre
Bruce Wayne e Dick Grayson é muito bem trabalhada, desde a personalidade, os
métodos utlizados, o fato de termos agora um Batman que sorri, e até mesmo o
detalhe das cenas de luta (O Batman de Dick é muito mais acrobático, resultado
de sua infância circense).
As dúvidas do personagem sobre estar
ou não à altura do nome Batman, gera um dos diálogos mais legais da HQ, que é
quando Dick conversa com o bom e velho Alfred a respeito de suas
dúvidas. Aqui, Morrison usa muito bem um fato que a maioria
dos autores esquecem, de que Alfred antes de ser mordomo da família Wayne
já foi um ator; e utilizando uma explicação recheada de referências teatrais,
ele diz a Dick que o Batman nada mais é do que uma ideia, um personagem. E
assim como Hamlet ou James Bond, ele é eterno, e um novo ator sempre o
interpretará. Chegou a sua vez, patrão Dick.
Outro personagem muito bem
trabalhado aqui é Damian Wayne, que finalmente assume como Robin. Damian,
inserido na cronologia pelo próprio Grant Morrison, é o filho de Bruce Wayne
com Talia Al Ghul, e portanto herdeiro da Liga dos Assassinos. E o garoto faz
jus às suas origens.
Tentando aprender a viver como o
estilo de vida de seu pai, Damian decide ajudar Dick nessa nova tarefa (na
verdade ele que queria ser o Batman, mas tudo bem), mas descobre que se
encaixar nos padrões impostos pela Bat-Família pode ser mais difícil do que ele
pensava.
Prepotente, arrogante e mimado, o
moleque é o capeta. E devido ao seu treinamento assassino, aliado à
sua impulsividade, age com violência exacerbada para com os criminosos, desobedecendo
várias vezes as ordens de Dick Grayson, a quem ele não respeita. Mais dor
de cabeça para o novo Batman, que precisa lembrar constantemente para o
Robin que há um código a seguir. O código de seu pai.
Apesar dos atritos iniciais, com o tempo Dick vai conquistando o respeito de Damian, que passa a entender como funciona a justiça segundo Bruce Wayne. É interessante o crescimento do personagem, pois Morrison nos mostra que mesmo com a sua personalidade arrogante herdada de uma criação completamente fora dos padrões normais, o garoto é muito parecido com o pai. É como se Damian fosse um mini Bruce Wayne ninja e assassino. E isso é sensacional.
O contraste entre os novos Batman e
Robin aliás, é um dos pontos altos da HQ, mostrando algo completamente
diferente do que estamos acostumados. Ao invés de termos um Batman
sério com o Robin servindo como contraponto e quebra de seriedade, aqui
temos o contrário: Um Robin focado e profissional, sem tempo para brincadeira;
e um Batman sorridente, que faz piadas e age como o alívio cômico. E é muito
divertido ver esse contraste que ao mesmo tempo é respeitoso à
personalidade dos personagens. Estranho seria se Dick começasse a agir
exatamente como Bruce só porque colocou um capuz de morcego.
Essa diferença é sentida também
pelos personagens, principalmente pela polícia e pelo Comissário Gordon. Não é
como se todo mundo simplesmente aceitasse que aquele é o Batman sem questionar
as diferenças óbvias, como altura e voz diferentes; e a forma como Morrison
mostra essa diferença vista pelas pessoas utilizando a polícia (que é quem tem
mais acesso ao herói) é muito simples, direta e bem feita. Basicamente, o
Batman está entre nós, e isso é o que importa. Sem perguntas.
No primeiro arco de Batman & Robin, que é a estreia de Dick Grayson como o Cavaleiro das Trevas e que conta com os desenhos do sempre talentoso Frank Quitely, Morrison brinca com os conceitos do universo Batman, e nos brinda com uma história onde os vilões são… do circo! Nada mais justo, dadas as origens circenses de Dick, filho órfão dos famosos acrobatas “Os Grayson Voadores”. O legal das histórias escritas pelo Morrison é justamente catar todas essas referências, que acabam dando uma experiência de leitura melhor ainda.
No segundo arco temos o retorno de
um personagem que tem tudo a ver com Dick Grayson, Robins, e o legado do
Batman. Sim, Jason Todd está de volta, e mais uma vez sob a alcunha de “Capuz
Vermelho”, porém dessa vez com uma versão diferente de uniforme, com um design
mais parecido com algo super-heróico. Jason, mais louco do que nunca, ressurge
com o objetivo de punir e matar todos os criminosos de Gotham, mostrando que
definitivamente o crime não compensa. Sua motivação, claro, é mostrar que
Batman está obsoleto, e dessa forma se provar melhor do que Dick, de quem
amarga a derrota de não ter conseguido o direito de se tornar o novo Batman na
saga “Batalha pelo manto“. Um detalhe interessante nesse arco é uma estranha
declaração de Jason, sobre Bruce obrigá-lo a pintar o cabelo quando ele era
Robin para que se parecesse com Dick.
Estranho à primeira vista, mas
plausível se considerarmos que Bruce não queria que as pessoas soubessem que
ele estava com outro garoto no lugar do Robin.
Não vou falar a fundo sobre cada um
dos arcos, pois são vários, cada um desenhado por um artista diferente. Só
posso garantir que todos são muito bons, construindo aos poucos a relação
desses novos Batman e Robin tão diferentes. As participações não se limitam a
Jason Todd, e podemos encontrar também vários personagens importantes para a
construção da história, como Talia Al Ghul, Exterminador, Batwoman e até
Cavaleiro e escudeira, a versão de Batman e Robin da Inglaterra.
Mas a melhor participação de todas é dele.
O palhaço, o joker, o bobo… o Coringa. Apesar de um grande fã da Piada Mortal e
do Coringa de Alan Moore, eu considero que o roteirista que melhor escreve o
personagem ainda é Grant Morrrison. Cada autor que escreve o Coringa dá a
sua própria versão do vilão. Seja mais caótico e sério, mais brincalhão,
algumas vezes completamente louco, outras absurdamente doente e pervertido, são
muitas as personalidades dadas ao palhaço do crime durante os anos. E Morrison
reúne tudo isso em um personagem só, utilizando a explicação de que a
personalidade do Coringa é moldada de acordo com o ambiente. Sua mente
simplesmente muda, se adequando às suas “necessidades”.
E aqui, com o seu Batman (como
ele mesmo se refere) morto, o Coringa alega que isso o deixou… são. E realmente
o que vemos é um Coringa muito mais no controle de si do que jamais foi visto,
planejando, pensando, e em alguns momentos até mesmo ajudando. Seu diálogo com
Damian dentro da sala de interrogatório (onde ele é espancado pelo moleque com
um pé-de-cabra exatamente como fez anos atrás com Jason Todd) está entre um dos
melhores momentos do personagem.
Nesse encadernado temos também
finalmente a resolução de um plot iniciado desde que Morrison colocou as mãos
na revista do Batman: Dr Hurt e a Luva Negra. Aqui entendemos as motivações do
vilão, e vemos o seu último grande plano para a dominação de Gotham.
Um final épico, envolvendo uma
guerra pelas ruas de Gotham e uma pequena participação GENIAL do Coringa. Algo
tão sensacional que só Grant Morrison poderia idealizar.
Um detalhe interessante e que pode
fazer toda a diferença na leitura para entender essa parte final, é que esse
encadernado precisa ser lido em paralelo a outro lançamento recente da Panini: Batman
– O Retorno de Bruce Wayne. Não que esse encadernado não funcione
sozinho, ele funciona sim, e muito bem. Porém, a sequência final pode ficar um
pouco confusa sem esse complemento.
Por Murilo Oliveira
Fonte: O Vício
Fonte: O Vício
4 Comentários
Parece interesante,vou ler.
ResponderExcluirPs:I'm back!
Se achar um pouco difícil de entender essa fase, recomendo que leia a fase do Morrison no Batman desde o começo (a partir do Batman #655) onde começa o arco Batman & Filho:
Excluirhttp://planetamarveldc.blogspot.jp/2014/12/planeta-resenha-dc-batman-e-filho.html
Acompanhei essa saga nos gibis mensais. Gostei bastante!
ResponderExcluirhttp://gotasdexp.blogspot.com.br/
Opa! Quem sabe você não faz uma resenha no seu blog!
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