Depois
de fazer a bem sucedida e premiada minissérie O Longo Dia das Bruxas em
1996, a “dupla dinâmica” formada por Jeph Loeb e Tim Sale voltou a reunir-se
em 1999 para produzir a continuação de um de seus trabalhos mais
famosos. Desta nova parceria nasceu Vitória Sombria.
Logo no início
conhecemos uma nova personagem, a promotora Janice Porter, que liberta Alberto,
pouco antes do Duas Caras fugir do Arkham, durante um ataque
realizado por aliados dos Falcone. Após isto ocorre o primeiro de uma série de
assassinatos cujas vítimas são policiais de Gotham City. Está armada a premissa de
Vitória Sombria.
Um
dos pontos trabalhados pelo roteiro de Loeb é quão solitários Batman e James Gordon ficaram em sua luta contra o
crime e corrupção que assolam Gotham, após perderem o apoio e a amizade de
Harvey Dent. Sua ausência é várias vezes mencionada por ambos, e sua tragédia é
um dos acontecimentos que mais abalaram as vidas do vigilante e do
recém-empossado comissário de polícia.
Vitória Sombria
também foi a segunda grande contribuição que Loeb e Sale deram à mitologia do
Batman. Se O Longo Dia das Bruxas funcionou como uma sequência e complementação
de Batman Ano Um,
detalhando ainda mais os primeiros dias de Bruce Wayne como o vigilante de
Gotham; Vitória Sombria concentra-se numa fase turbulenta do submundo criminoso
da cidade, em que o poder dos mafiosos começou a diminuir, e as “aberrações”,
representadas por criminosos como o Pinguim, o Coringa,
o Espantalho, o Sr. Frio,
a Hera Venenosa e o Duas Caras, se aproveitaram da
fraqueza dos primeiros para derrubarem o que restou da máfia de Gotham, após
esta ser abalada pela morte de Carmine Falcone.
Semelhante
ao que ocorreu em O Longo Dia das Bruxas, o Duas Caras recebe uma atenção maior
de Loeb, que explora muito bem a ambiguidade e complexidade do personagem. O
autor evidencia o senso de justiça e moral distorcidos do vilão, que à sua
maneira procura cumprir a missão de punir os criminosos de Gotham,
iniciada antes de ter sua face deformada em O Longo Dia das Bruxas.
Interessante
também observar que o Duas Caras e seus aliados escondem-se nos esgotos de
Gotham, o que funciona como uma metáfora para o fato de que a presença deles na
cidade está, aos poucos, abalando seus alicerces. E também de que todos eles
são personificações de distúrbios mentais surgidos de manifestações
não-sublimadas de desejos perversos provenientes do inconsciente –
o “subterrâneo” da psique humana – algo que os principais
vilões do Batman sempre foram.
Outro episódio
emblemático da história do Batman, que Loeb procurou explorar com mais
profundidade, é a estreia de Robin como parceiro do herói. O garoto não
entra repentinamente na história. Sua introdução é antecipada através de uma
menção rápida ao Circo Haly num capítulo; do vislumbre da silhueta de Dick
Grayson treinando
no fundo de uma cena em outro; e dos ingressos para o circo que Bruce ganha no
final do capítulo que antecede ao da tragédia que mata os pais de Dick.
Loeb
e Sale encontraram uma maneira bem elegante de traçar um paralelo entre as
tragédias de Bruce e Dick, através de flashbacks de Alfred,
que são apresentados com falas e enquadramentos quase idênticos, a fim de
salientar as semelhanças entre o drama vivido pelos dois em idades muito
próximas.
Outra boa
sacada de Loeb foi ligar o assassinato dos Grayson com o crime que deformou o
rosto de Harvey Dent, tornando tanto o Robin como o Duas Caras faces opostas de
um mesmo “fenômeno psicológico” gerado pela atuação da máfia em Gotham. Algo
que começou há mais de uma década atrás, quando o assassinato dos Wayne plantou
na mente de Bruce a ideia que evoluiu para a criação do Batman, tornando ele,
Robin e Duas Caras respostas distintas de Gotham City para as injustiças e a
corrupção que se alastraram por suas ruas, graças aos mafiosos. Podemos dizer
que os três fazem parte do “sistema imunológico” da cidade.
Também
há um cuidado de Loeb em apresentar sua interpretação psicológica da relação de
Batman com Robin, algo que Tim Sale antecipa na introdução que escreveu para o
encadernado. Para o autor, Batman e Robin representam o adulto e a criança que
vivem em todos nós. O Batman precisa de um Robin porque o menino, para o herói,
personifica a esperança de uma vida melhor para outra vítima de uma
tragédia parecida com a dele. Dick foi a chance que Bruce ganhou de compensar a
infância que perdeu quando os Wayne foram assassinados. Tanto é que, se
pegarmos as primeiras histórias protagonizadas pela dupla na década de ’40,
encontraremos um Batman mais sorridente e bem humorado ao lado de seu
extrovertido parceiro mirim. Contando com um menino como seu aliado ele
pôde ressuscitar a criança que simbolicamente enterrou há mais de uma década
atrás, quando sepultou seus pais.
Por mais
estranha e absurda que possa soar, a decisão de Bruce revelar a Dick que ele é
o Batman, e de treinar o garoto sem que ele peça, é uma atitude
compreensível se analisada psicologicamente. O herói enxerga em Dick a chance
de resgatar o menino antes que ele seja consumido pela solidão e
escuridão interiores, que dominaram Bruce após perder seus pais. Ele ajuda-o a
lidar com sua sede de vingança, direcionando-a e moldando-a na forma de uma
luta por justiça. Com isto, Dick não se entrega às sombras de sua alma
enlutada. Isto explica, inclusive, porque o Batman permite que Dick use uma
fantasia colorida: ela representa as “cores da infância” – duas delas,
inclusive, são cores primárias – que não foram absorvidas pela escuridão
interior de um luto e uma fome de vingança incontidos. A participação
do Robin é pequena, mas Loeb soube usá-lo pontualmente, para indicar a
importância do Menino Prodígio na vida do Homem Morcego: ele é a
personificação de sua esperança de livrar Gotham das sombras, e restaurar
suas cores.
Mesmo
tendo uma estrutura muito similar à de O Longo Dia das Bruxas, a trama de
Vitória Sombria é bem conduzida por Loeb. Subtramas como a voz misteriosa
que Alberto Falcone escuta em sua casa; os assassinatos dos
policiais; as atitudes suspeitas de Janice Porter, entre outros mistérios
espalhados pelo autor, potencializam o suspense, mantendo o leitor atento a
cada detalhe do desenrolar da narrativa, que é bem amarrada no final. Além da
identidade do assassino ser uma boa sacada de Loeb, a história ainda encontra
espaço para levantar uma suspeita sobre as origens de Selina Kyle (que me fez
pensar se este será um detalhe que a equipe de roteiristas de Batman Eternal levará em conta, já que a personagem
terá um papel importante na série, assim como Carmine Falcone).
Sob o ponto de
vista técnico, Jeph Loeb soube usar muito bem os recordatórios, todos narrados
pelo Batman, que divide com o leitor dados sobre Gotham City, curiosidades
sobre as vidas de seus cidadãos – sejam eles criminosos ou aliados – e pequenos
fatos sobre sua vida pessoal antes de tornar-se o Cavaleiro das Trevas. Tudo
isto contribui para dar mais vida a Gotham e seus habitantes, ao criar uma
relação de familiaridade com o leitor, que passa a acreditar na existência
daquelas pessoas durante a leitura. É um tratamento quase documental, e também
uma forma sutil de mostrar quão profundamente o herói conhece Gotham.
Loeb também faz
bom uso dos recordatórios para recapitular dados importantes da trama, a fim de
que o leitor a acompanhe sem grandes dificuldades. O autor é econômico no uso
deles, deixando que a arte de Sale conte a história sem muita interferência. Há
um ótimo equilíbrio entre os desenhos e os textos, que faz da história uma leitura
agradável, muito fluida, e nem um pouco cansativa, apesar do tamanho.
E a arte de Tim
Sale é muito expressiva. Seus desenhos trafegam entre o gótico e o noir, e
conferem muita personalidade às dezenas de personagens que participam da
história, devido ao visual muito estilizado e caricato de seus traços. Suas
páginas oscilam entre quadros sombrios e claustrofóbicos e panorâmicas
“arejadas”, que fazem de Sale um ótimo criador de ambientação. O leitor
consegue facilmente sentir-se imerso nos cenários que ele desenha. Além disto,
Sale é um mestre no uso de luz e sombras, estando no mesmo patamar de artistas
como Mike Mignola e Frank Miller (o que me fez lembrar de uma passagem desta
entrevista de Stan Lee,
na qual ele diz que muitos desenhistas com quem trabalhou “poderia[m] ter sido grandes diretores de filmes”).
Complementando
a arte de Sale temos as cores de Gregory Wright,
que casam perfeitamente com o tom exigido por cada cena. Ele é muito econômico
no uso das cores, mas sabe contrastá-las para salientar a importância de um
momento, seu impacto físico e psicológico, a atmosfera ambiente e emocional. É
um trabalho que dá gosto de acompanhar.
Vitória
Sombria faz parte de
uma lista de quadrinhos protagonizados pelo Batman que servem como uma
excelente introdução ao personagem. Ao lado de Batman Ano Um, Batman Xamã e O Longo Dia das Bruxas,
ela investiga as motivações, e explora o amadurecimento do herói, assim como de
seus aliados, inimigos, e de Gotham City. Se tiver a chance de ter em mãos
todas estas obras, compensa lê-las na sequência, pois se complementam
admiravelmente bem.
Por Rodrigo F. S.
Souza
Fonte: Nerd Geek
Feelings
2 Comentários
nenhuma Vitóri é Sombria quando Pai Morcego e Damian Prodigio saem na calada da Noite pra espancar Bandidos de Duas-Caras e fazem com que um Coringa perca as cartas de seus Dentes!nem um Xamâ poderia imaginar que um Morcego e seu Filho fariam até uma Bruxa tremer de medo de Dia e de Noite por causa dessa Dupla Dinâmica!! Marcos Punch.
ResponderExcluirRecentemente li o Longo Dia das Bruxas, e parece que essa Vitória Sombria é uma ótima continuação. Estou esperando a Panini relançar essa também.
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