Bem meus amigos, são 75 anos de Batman. Inúmeras interpretações do
personagem já foram feitas até hoje, assim como todo o universo mitológico que
o cerca. Mas em todo esse tempo, uma coisa é quase constante: Gotham.
O apelo quase místico que possui é tão forte que Fox e Warner encomendaram uma série focada
nas nuances desse centro urbano. A série, que estreia nos EUA no dia 22 de
setembro deste ano, chegando ao Brasil uma semana depois, visa explorar ainda
mais esse universo (e capitalizar um pouco mais em cima disso).
Diferentemente do que se imagina, o nome
não tem relação direta com a palavra “Gótico”, aludindo a natureza sombria do
personagem. Na verdade, “Gotham” é uma espécie de neologismo formado com as
palavras do inglês arcaico gat (goat, cabra)
e ham (home, casa), ou seja, “local onde as cabras habitam”. Nome de um
vilarejo na Inglaterra, o nome foi atribuído a Nova York pelo escritor Washington Irvine em 1807 e acabou se popularizando
devido ao personagem da DC.
Com o passar do tempo, Gotham recebeu características de diversas
cidades, cativas aos artistas que passaram pelos títulos do Morcego. Um dos que
mais contribuíram para o salto de profundidade que a cidade possui foram os
artistas Dennis O’Neil e Neal Adams, famosos por redefinir o personagem nos
anos 70. O’Neil brincou certa vez que Gotham era “Manhattan onze minutos após a
meia-noite numa fria noite de Novembro”, enquanto Adams enxergava a cidade
muito mais parecida com Chicago, devido aos problemas de criminalidade que
enfrentou ao longo dos anos 40 com a máfia. Antes deles, Gotham era só um lugar
na ficção como tantos outros.
A volta as
origens mais soturnas que os dois artistas promoveram nas histórias do Batman
trouxe maior verossimilhança à Gotham do que jamais havia sido feito com
qualquer cidade ficcional dos quadrinhos até então. Não só os aspectos
geográficos começaram a ser pensados, como até questões estéticas e históricas
para a cidade funcionar como um organismo vivo. Claro, esse ajuste fino levou
anos para chegar a um ponto ótimo, e até hoje são realizadas pequenas inserções
em sua mitologia.
A mais
recente inserção foi feita pela revista “Gates of Gotham”, escrita por Scott
Snyder e Kyle Higgins, em que contam histórias sobre a fundação
da cidade e dos ancestrais de Bruce Wayne, seguindo a onda da
também recente passagem de Grant Morrison pelo personagem, que explorou os
ancestrais do personagem no arco “O Retorno de Bruce Wayne”.
Morrison por sinal, foi um dos responsáveis por segurar a onda de
escritores que estavam transformando Gotham numa caricatura da “Sin City” de Frank
Miller (numa
interpretação alavancada pelo próprio), argumentando que se Gotham fosse de
fato tão podre e corrupta, o Batman estaria falhando em sua missão dia após
dia. Isso talvez explique o Batman de Miller ser um personagem tão violento e
amargo, já que vive todos os dias com a frustração de não conseguir progresso
nenhum com a cidade.
Há quem
goste desse estilo mais “caricato” de Miller retratar a cidade, mas devo
lembrar que o escritor usa da hipérbole em várias obras para construir seus
arquétipos de personagem, bem característicos. Não é a Gotham de Miller que é
suja, mas todo o mundo que ele criou parece imerso em corrupção, como seu uma
onda de sentimentos pessimistas tivesse consumido o mundo de suas histórias e
todos resolvessem abrir mão dos seus padrões morais, vivendo uma espécie de
Sodoma e Gomorra contemporânea. A coisa é tão caricata que cai exatamente no
que Morrison falou: fica difícil dar algum crédito a história se as coisas são
assim.
Indo no extremo oposto, os filmes de Christopher Nolan mostraram uma Gotham mais soft, por assim dizer. Ainda que a abordagem
dos filmes seja muito elogiada, a verossimilhança construída nesse universo fez
a cidade perder o “charme” característico que possui nos quadrinhos, tornando-a
apenas mais uma cidade grande do século XXI. Por outro lado, Tim
Burton, que dirigira a franquia anterior de filmes do Morcego,
trouxe às telas uma cidade única e visualmente bela.
A
arquitetura baseada no neo-gótico, no art deco e no art nouveau foram tão memoráveis que não só
transbordaram para o Universo DC Animado e futuramente para os quadrinhos, como
estão presentes até hoje no imaginativo popular, incluindo na série que estreia
esse mês. Tanto que uma das retratações mais icônicas que temos do Homem
Morcego é a dele agachado ao lado de gárgulas polidas em pedra, características
desse movimento arquitetônico.
Ainda assim, nenhuma época foi tão
prolífica para a cidade do Batman quanto a saga “Terra de Ninguém”. Desde as redondezas da cidade, como o posicionamento
geográfico da recém criada Blüdhaven, as ruas e parques carregando nomes de grandes escritores do
passado, até o próprio desenho da cidade (inspirado na geografia de Rhode Island).
Gotham jamais havia recebido tamanha atenção de seus criadores.
Obviamente, existem inúmeras outras contribuições menores feitas por
outros escritores. Lugares na própria cidade como o Asilo
Arkham, o Beco do Crime, a Penitenciária
Blackgate, a Ace
Chemicals e
o Departamento de Polícia de Gotham, foram tão bem trabalhados
pelos escritores que passaram pelos títulos da Bat-Família que eles próprios
criaram uma mitologia própria.
Dentre
algumas que posso citar, temos a aclamada “Asilo Arkham: Uma séria casa em um Mundo Sério” de Grant Morrisson, em que vemos uma
interação muito diferente do Batman e do Coringa,“O que
aconteceu com o Cavaleiro das Trevas?” de Neil Gaiman, uma belíssima ode as
mais de sete décadas de história do personagem, “Arkham Asylum: Living Hell”, de Dan
Slott, que mostra a origem de um vilão da cidade de uma forma
incrivelmente divertida, “A Piada Mortal” de Allan Moore, uma história clássica
com um final
controverso até
hoje e a própria “Gotham City
contra o Crime”, de Ed
Brubaker, Greg Rucka e Mike Lark, que teoricamente é uma das
inspirações da série da Fox.
Com tudo
isso, Gotham se tornou mais um personagem forte dentro do universo do Morcego.
Tão forte que valeu uma série televisiva só dela. O que esperar? Que adaptações
serão feitas? Será bom? Fica difícil dizer. Mas o preview lançado recentemente me deixou
otimista com o conteúdo da série de Bruno Heller. A questão agora é só esperar para
assistir e torcer que ela obtenha sucesso. Caso não consiga, ao menos temos
diversas histórias para nos consolar.
Por Luis Alberto
Fonte: Terra Zero
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