“A mistura de gíria e mito, ficção
científica e a Bíblia, fez que o Quarto Mundo de Jack Kirby fosse um tanto
cerebral demais, mas a sua visão permaneceu”. Essas palavras foram escritas
pelo historiador Les Daniels em DC
Comics: Sixty Years of the
World’s Favorite Comic Book Heroes, de 1995.
Mas esse trabalho de Kirby, que hoje
tem o status de cult, não
teve uma aceitação imediata. Pelo contrário. Como disse Daniels, era “cerebral”
demais. Não encontrou público suficiente para se tornar uma série de sucesso e
foi podada sem piedade, não permitindo que Kirby desse a versão definitiva de
sua própria história.
As histórias desses novos deuses é
operática, com a eterna luta entre o Bem (representado por Nova Gênese) e
o Mal (Apokolips). O senhor sombrio de Apokolips, Darkseid, busca a
“equação anti-vida”, que o permitiria controlar os pensamentos de todas as
pessoas. Seu filho, Orion, que foi criado em Nova Gênese, tenta derrotá-lo, em
um embate com tons totalmente freudianos. Além de Orion, outros personagens
entram no conflito, como o Forever People, que simplesmente é uma versão
super-poderosa das gangues adolescentes que apareceram em diversos pontos do
trabalho de Kirby. Mister Miracle também está no conflito, nascido em Nova
Gênese e criado em Apokolips no lugar de Orion, história contada na belíssima
“The Pact”, em New Gods 7 (1971). E até mesmo o Superman e
Jimmy Olsen. E a Legião dos Jornaleiros e o Guardião, que foram criações de Joe
Simon e do próprio Kirby em 1942.
Kirby criou os Novos Deuses enquanto
ainda estava na Marvel e fazia as histórias back-up de cinco páginas publicadas
em Thor, chamadas de “Tales of Asgard” e como o nome dizia, mostrava as
histórias da mitologia nórdica. Essas histórias foram quase todas escritas pelo
próprio Kirby. Esse fascínio pela mitologia fez que ele quisesse dar o passo
seguinte, mostrar o Ragnarok e acabar com todo o panteão em Thor. Obviamente,
isso não lhe foi permitido. E é claro, Odin (através de Stan Lee) consegue dar
um jeito de derrotar Surtur e manter a lucrativa franquia.
É muito claro que os Novos Deuses é
a continuação direta de Thor,
apesar de tal fato não ter sido admitido oficialmente nem por Kirby nem (como
obviamente não poderia deixar de ser) pela Marvel. Mas já na primeira página de New Gods 1, é mostrada uma batalha entre os
velhos deuses e é impossível não ver Asgard lá. Na verdade, a página tem a
palavra “Epílogo”. O epílogo é de Thor 177 (1970) a penúltima edição de Kirby
no título antes de mudar para a DC.
Em Forever People 5 é mostrado o elmo de
Thor, examinado pelo jovem deus Lonar em uma visita a terra dos velhos deuses.
É como uma declaração: “Essa é a continuação do que comecei lá... É o queria
fazer... Matar os deuses antigos e criar novos”.
Quando ele resolveu sair da Marvel, imagino
que o golpe foi grande. E a DC sabia disso. Logo Jimmy
Olsen Superman's Pal 133
(o título que ele aceitou escrever e desenhar em troca dos outros três)
chegava às bancas com um “Kirby is here!” (“Kirby está aqui”) na capa. A
expectativa de ver um dos artífices do Universo Marvel que tanto incomodou a
companhia na década anterior foi muito grande. E, em minha opinião, aí que
estava o problema. Leitores e (principalmente) editores estavam esperando um
novo Fantastic
Four, algo dentro do
que eles estavam acostumados. Kirby lhes deu o Quarto Mundo, uma meta-série que
trazia três novos títulos (The New Gods, Forever People e Mister
Miracle) e uma renovação
enorme em outro que tinha se tornado algo apático (Jimmy Olsen).
Uma mistura de cosmogonia, filosofia, religião e muito mais que apenas um aceno
para a florescente geração hippie. Ou como Grant Morrison escreveu na sua
introdução para o primeiro Omnibus de Jack Kirby’s Fourth World: “Os dramas de Kirby são encenados em um teatro jungiano
com paisagens de simbolismo cru e fúria...”
Além do conceito de meta-série,
várias séries que se sobrepõe para contar uma história maior, outra ideia de
Kirby era que o Quarto Mundo era para ser uma série finita. Com começo, meio e
fim, que seria publicada durante meses e depois colecionada em um único volume.
De certa maneira ele simplesmente previu o advento dos trade paperbacks e uma
indústria que hoje se preocupa em criar histórias em seis partes que caibam
exatamente no formato.
Como disse, ele não conseguiu ver
isso, pois as vendas não alcançaram os patamares estipulados (sejam lá quais
tenham sido) e os títulos pereceram. Foram publicados entre 1970 e 1973,
e em 1976 Kirby abandona a DC e volta para a Marvel para uma curta passagem
(até 1978).
Não seria o fim, é claro. Os
conceitos eram bons demais para serem abandonados. E a DC tentou capitalizar.
Ainda que esporadicamente, os personagens do Quarto Mundo apareceram em títulos
da editora durante a década de 70. Em 1976, no último número de 1st Issue Special temos “The Return of the New Gods”, de
Gerry Conway e Denny O’Neil, com a arte de Mike Vosburg. E em 1977, a DC
lança uma nova série (agora com a arte de Don Newton, continuando a numeração
de onde Kirby tinha parado, o número 12). Essa nova série durou oito números,
sendo cancelada no número 19 (1978). A história foi concluída em dois números
da Adventure
Comics (459 e 460).
Mister Miracle apareceu em três números da The
Brave and the Bold, em
encontros com o Batman e uma vez em DC Comics Presents, com o Superman. E depois de um hiato de
três anos seu título voltaria no número 19 (1977), também continuando a
numeração de Kirby, escrito por Steve Englehart e belamente ilustrado por
Marshall Rogers. O título foi cancelado no número 25, graças a DC Implosion. Os últimos três números foram escritos por Steve
Gerber com a arte de Michael Golden, e a história nunca foi concluída.
No início dos anos 80, os Novos Deuses
apareceram em um dos tradicionais encontros da Liga com a Sociedade da Justiça (Justice League of America 183-185),
com as duas últimas partes desenhadas por George Pérez que viria assumir o
título depois da morte de Dick Dillin. E, é claro, Darkseid é o vilão de “The Great Darkness Saga”, em Legion
of Super-heroes 290 a 294.
Em 1984 a DC resolveu republicar os 11
números originais de New Gods, em
seis edições em papel baxter, mais luxuoso. Eles chamaram Kirby para fazer as
capas duplas e mais uma história para concluir a série. É. Teoricamente seria a
sua versão final, o coda para a sua saga. Kirby queria que
tanto Darkseid quanto Orion morressem em combate. Obviamente, isso foi vetado.
Em seguida Kirby propôs “The Road to Armagetto”, que foi rejeitada também.
Kirby então escreveu e desenhou “Even Gods Must Die”, uma nova história de 48
páginas que foi publicada no sexto número da reedição. Na verdade, a história
funcionaria como um prólogo para “The Hunger Dogs”, a quarta DC
Graphic Novel (1985), que incorporava páginas de “The Road to
Armagetto” e nova arte, totalmente remontada. Essa graphic novel sofreu uma
pesada interferência editorial. Afinal de contas, os personagens do Quarto
Mundo ainda eram interessantes e não poderiam ter uma solução “definitiva”
(i.e. a morte dos protagonistas como Kirby queria). O que Kirby desejava fazer
em Thor, anos antes, e não lhe foi permitido se repetiu
mais uma vez. Com os SEUS personagens. É impossível não ver a ironia aqui.
O legado do Quarto Mundo de Kirby
continuou. Da volta do título dos Novos Deuses no final dos anos 80 e 90 (suas
terceira e quartas séries) até a Odisséia
Cósmica, de Starlin e Mignola. Byrne escrevendo e desenhando Jack
Kirby’s Fourth World, que foi substituído por Orion,
de Walt Simonson. Grant Morrison usando profusamente os conceitos em JLA e Seven
Soldiers e depois em Final Crisis,
que mostra o fim do Quarto Mundo e o início do Quinto, coisa preconizada pelo
novo deus Metron em JLA anos antes no arco "World War III" :
“Assim como Nova Gênese é o Quarto Mundo a Terra será o Quinto”.
Morrison, pela boca de Metron,
também diz em um arco anterior da mesma JLA,
“Rock of Ages”:
“Como você parecem
crianças para mim. Como sua compreensão é pequena e ainda assim... Há uma
semente em vocês... Os Velhos Deuses morreram e deram origem aos Novos. Os
Novos Deuses, até mesmo eu, devem passar quando chegar a nossa hora. Nossa
busca foi longa e nossa guerra continua, mas nós encontramos o berço planetário
dos Deuses que Virão... Vocês são os seus precursores.”
Então é esse o
conceito básico do Quarto Mundo: algo cíclico, embebido do pathos. E Kirby nos deu
tudo isso ainda no início da década de setenta do século passado.
Por Bem Santana
Fonte: Prata e Bronze
2 Comentários
Kirby fez todas as gerações entornarem a Birita no Pato dos Novos deuses e na Bucha de Canhão do Darkseid os Deuses,o Super levar Fumo!!!Marcos Punch.
ResponderExcluirPois é, o mestre Kirby foi o responsável por essas criações que poucos souberam como trabalhar depois.
ExcluirConheço pouco sobre os Novos Deuses, mas achei bacana a série Godhead com os Lanternas, onde esses personagens "divinos" aparecem bastante.