Este artigo contém spoilers. É uma
história clássica, das antigas… mas se mesmo assim você não sabe como ela acaba
e ainda pretende lê-la, fuja desta resenha.
Roteiro de J.M. DeMatteis
Arte de Mike Zeck e Bob McLeod
Inveja é para mim ruim em todo
sentido, seja qual for a sua cor. Existem níveis diferentes de inveja, tudo
bem. Cobiçar o que a outra pessoa tem ou é. Esse é o nível 1. Querer ser e ter o
que a outra pessoa tem (e fazê-la saber disso). Esse é o nível 2.
E tem o nível 3…
Cobiçar a pessoa, tirar tudo dela,
transformar-se nela… e por fim destruí-la.
Isso bem que poderia
ser uma coisa apenas de gibis, mas infelizmente acontece muito na
vida real… Mas não vamos fugir do assunto. Talvez eu esteja sendo injusto
com Kraven, o Caçador, abrindo meu texto falando sobre inveja, claramente me
referindo ao sentimento que supostamente lhe corroí. Porque, SIM ele apresenta
todos os sintomas descritos acima, MAS devemos analisar muito mais
cuidadosamente a complexa psiquê do homem que se considera o maior de todos os
caçadores.
Como foi devidamente avisado no
início, este texto contém spoilers. Eu até pensei em fazer uma versão sem
eles, mas o final dessa história, seu clímax, é um dos fatores; se não O fator
que faz dela uma HQ grandiosa e memorável do Homem Aranha. Então lá vai gente…
o Kraven morre no final. Desculpa aí.
Ok, a maioria já sabia disso.
Até porque o próprio título da história já é sugestivo o bastante não?
Mas vamos ao que interessa. Então ESSA é a grandiosidade da história? A morte
de Kraven? Então o que temos é uma trama apelativa, com uma cena dramática
usada como caça-níqueis para alavancar as vendas?
NÃO. Definitivamente não.
Nessa aventura temos Peter Parker
usando seu uniforme negro, mas não se trata do simbionte de Venom, mas um traje
feito de tecido que ele utilizou por algum tempo. Pessoalmente, gosto muito
desse visual TAMBÉM, e no caso dessa história, ajudou bastante a compor o clima
sombrio que envolve toda a trama.
Os desenhos são de Mike Zeck, com
arte final de Bob McLeod, que nos apresentam becos escuros e chuvosos,
homens-rato rastejando pelos esgotos, covas rasas sinistras e aranhas sendo
esmagadas sem dó nem piedade. Longe do traço espalhafatoso (mas que eu gosto)
de um Todd McFarlane por exemplo, os desenhos dessa HQ são bem “pé no chão”,
sem malabarismos estéticos nem contorcionismos impossíveis. Mas nem por isso
nos nega ação na medida certa e boas cenas de luta. Quando uma história funciona
do jeito que essa funcionou, é por que todo o conjunto da obra contribuiu para
isso. Esse tinha que ser o tom.
J. M. DeMatteis é famoso por seu
trabalho na DC Comics, mais especificamente por sua passagem como co-roteirista
da Liga da Justiça Internacional ao lado de Keith Giffen, onde eles escreviam
histórias hilárias envolvendo os personagens em situações no
mínimo escatológicas. Mas DeMatteis é um escritor versátil, intercalando
esses momentos de humor com histórias mais sérias e profundas (ou nem tanto),
mas flertando com vários gêneros, (por exemplo “MoonShadow” e “I, Vampire” –
sendo criador desse último) ou até os mesclando como quando escreveu o título
do Senhor Destino, onde encontrávamos bem equilibradas doses de humor com
misticismo e drama, e cujo final foi LINDO DEMAIS!
Mas seja em qual gênero ele se
aventure, a qualidade é sempre uma constante. Não foi diferente em “A última
Caçada de Kraven”. O texto de DeMatteis é primoroso para a HQ em questão. E
entenda “primoroso” dentro do contexto das histórias em quadrinhos de super-heróis,
não vamos comparar o cara com Camões e nem desmerecer o valor dos quadrinhos
como arte. Eu não gosto muito de ter que ficar explicando essas diferenças, e
não estou fazendo isso por temer algum comentário pseudo-intelectual sobre essa
resenha (se é que haverão comentários). Mas sempre é bom desmistificar
preconceitos sobre determinadas formas de expressão artística. Existe o texto
de Camões que é primoroso. Existem grafites primorosos pintados pelas paredes
das cidades. E existem também primorosos roteiros de histórias em quadrinhos de
super-heróis. Eles não estão competindo entre si, estão sendo arte, cada um à
sua própria forma.
E, à maneira de ser dos quadrinhos,
“A última Caçada de Kraven” é primorosa.
Kraven cobiça o que o Homem-Aranha
é, quer se tornar o que ele é e quer destruí-lo. Mas ele realmente o inveja?
Será que o que de fato ele sente em relação ao aracnídeo não seria… admiração?
Ele mergulha em um profundo estado
de introspecção, retomando as origens mais primordiais de um caçador. Abater a
presa não é o mais importante, o grande caçador observa, ele compreende sua
vítima, entra em sua mente… torna-se um com ela… e só então ele a abate. Em uma
jornada insana pelo autoconhecimento, ele arrasta Peter Parker para um
verdadeiro pesadelo, onde, involuntariamente, faz com que ele mesmo tenha sua
própria chance de expurgar alguns fantasmas e lidar com algumas toneladas de
culpa acumuladas em sua alma. E ao voltar a si retorna, senão totalmente isento
de toda a mácula dos erros do passado, com uma revigorada vontade de continuar
tentando acertar.
E Kraven cumpre seu ritual com
perfeição simétrica até o final.
Mas espera… se ele é o caçador e o
Homem-Aranha é sua presa, não tem alguma coisa errada nessa cadeia de eventos?
Ao final do processo, a presa não deveria ser abatida?
O caçador observou, compreendeu e
tocou a mente de sua vítima. Tornou-se um com ela.
A presa foi abatida. O caçador
venceu.
Por Rodrigo Garrit
Fonte: O Santuário
2 Comentários
Sempre ouvi falar bem dessa história mas nunca li.O post deve estar bom mas como tem spoilers eu não posso dizer com certeza.
ResponderExcluirPs:Eu fiquei fora porque a minha internet estava tão lixo que eu mal conseguia entrar quanto mais comentar mas você sabe que eu sempre volto.
Fala ANT! Eu li faz uns seis meses atrás e é sensacional. Apesar de ser uma história antiga, ela é bem desenvolvida e trabalha o lado psicológico tanto do Kraven quanto do Homem-Aranha. E o final é surpreendente! Basta saber isso e vale a pena ler sim! Tem pela Salvat ou pela Panini (mas esse só em sebos mesmo).
ExcluirValeu e bom retorno!