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Planeta Resenha DC: Batman – Ano Dois

Após o aprofundamento e a reflexão necessária à origem do Homem-Morcego pós-Crise Nas Infinitas Terras, encabeçada por Frank Miller e David Mazzucchelli, outros artistas deram prosseguimento às aventuras do Cruzado Encapuzado. Paralelo a isso, muitos outros heróis da DC tiveram suas origens recontadas concomitantemente com a publicação de Batman – Ano Um, tendo a excelência do personagem nas páginas da Detective Comics, com a trama de Mike W. Barr.

Batman Ano Dois 1 [Resenha] Batman – Ano Dois

A história intitulada Medo do Ceifador segue aprofundando-se nos aspectos da origem do Morcego, revelando que, décadas antes, também havia um vigilante nas ruas de Gotham chamado Ceifador, cujos métodos eram bem mais violentos e fatídicos que os de Batman. Em um programa de entrevistas, o recém-empossado Comissário Gordon tenta validar as ações do herói, desassociando seu modo de operar do anterior, mostrando uma estreita relação entre o “fora da lei” e a polícia, elemento bastante diferente das perseguições que predominaram em Ano Um.

Convenientemente, após a sua menção no programa de TV, o Ceifador retorna às ruas com lâminas afiadas, um manto negro e uma máscara de caveira, impondo medo nos supersticiosos bandidos e pondo fim nas atitudes malévolas que eles impingiam ao inocente povo. O personagem era bem mais ativo, cruel e certeiro que Batman, e seus métodos eram discutíveis, não só do ponto de vista ético, mas também do pragmático, sendo este último mais favorável a ele do que ao Morcego, especialmente para a parcela conservadora da população de Gotham. De certa forma, seu comportamento vai de encontro a uma das críticas feitas ao personagem pensado por Miller em O Cavaleiro das Trevas, por vezes atribuindo à figura heroica um comportamento fascista.

O Ceifador seria o argumento supremo de que Batman estava certo, o fiel da balança na antiga discussão, a comprovação de que ele era um herói justo. A prerrogativa seria bastante discutida na primeira luta de ambos, na qual Batman sofre um revés, apesar do seu hercúleo esforço. Ao perceber o quão obsoleto é ante os métodos de seu inimigo, Bruce lança mão de algo que jurou não utilizar, empunhando um revólver, o mesmo que feriu mortalmente seus pais. Se em uma camada superficial nota-se um tropeço do ethos, em uma análise secundária percebe-se a indecisão, consequência da humanidade do personagem, falhas na construção de seu próprio caráter, aspectos de um combatente da liberdade em início de carreira.

A arte clássica de Alan Davis dá lugar ao traço de Todd McFarlane, desenhista muito distante da fama que ganharia ao “inventar” Spawn e grande parte da Image Comics. A mudança do artista talvez seja o fator mais importante para que Ano Dois não se transformasse em clássico absoluto dos quadrinhos. A qualidade cai vertiginosamente, mas não a ponto de tornar o quadrinho reprovável.

As suspeitas em relação à identidade do “malfeitor” recaem sobre o veterano Judson Caspio, pai de Rachel Caspian, que retornou à cidade após anos de ausência e a pedido de Leslie Thompkins, uma das figuras maternas mais presentes na vida de Wayne. Em comum com o jovem filantropo, há a tragédia na vida dos Caspians, com a morte prematura da matriarca pelas mãos de um bandido armado. O despertar do senso de justiça habitava o coração do viúvo. Convenientemente, o magnata da cidade se aproxima da bela ruiva para fins amorosos, mas, claro, fazendo referência à investigação.

Para surpresa de Gotham, Batman parece ter mudado de lado ao discutir termos com traficantes e bandidos conhecidos da cidade, entre eles Joe Chill, assassino dos seus pais, que, em outras versões, era somente um assaltante mequetrefe. A ascensão social e o crescimento da importância de Chill na cidade são artifícios que caem dentro da trama como uma luva, mas sua repercussão e sua trajetória poderiam ser melhor construídas. Em contraposição, a resignação e a dúvida crescem na mentalidade do herói, pondo em xeque até a sua própria dignidade. Apesar do plano provar que o pequeno Bruce é capaz de evoluir, andando ao lado de alguém absolutamente responsável por sua maior dor, o modo como Batman e Chill interagem, agindo como dupla, é muito estapafúrdio, produzindo momentos de absoluta vergonha.

Bruce deixa o arquétipo de “solteirão convicto” propondo casamento a Rachel. O romance entre os dois também não foi aprofundado nos momentos anteriores, o que faz discutir se este era um movimento de investigação. A surpresa ao descobrir o real caráter da moça só não foi maior que a sanguinolência do modus operandi do Ceifador. Suas garras atravessam os bandidos, num grafismo que McFarlane sabia conduzir como poucos. A truculência do Ceifador impediu até mesmo a trágica vingança que o Morcego queria fazer contra o assassino de seus pais, interrompendo o ato dramaticamente para, mais uma vez, limpar o currículo de Batman, que não deveria matar.

A redenção chega ao antigo vigilante ao fazê-lo se lançar para a morte após uma batalha corporal com o novo protetor de Gotham. Ao perceber o arrependimento do que seria a sua contraparte mais violenta, Batman deixa a arma do assassinato de Thomas e Martha, encerrando o uso do revólver no edifício dedicado ao seu pai. Após todo o ocorrido, ele se vê sozinho novamente, impossibilitado pelo luto de sua noiva e pela frustração de não conquistar a relação que queria, remetendo à tragédia da solidão que preconizaria seu destino, revista e modificada no final de Batman – O Cavaleiros das Trevas Ressurge, de Christopher Nolan. Ano Dois contém muitos erros de concepção, mas seu ideário é riquíssimo em nuances, mesmo que estas poderiam ter sido melhor exploradas, não fosse a pressa editorial.


Por Filipe Pereira
Fonte: Vortex Cultural

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