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Planeta Resenha DC: Batman Ano 100 de Paul Pope

Muito se fala sobre a liberdade criativa que a DC Entertainment dá a seus artistas para desenvolver ideias mais autorais com seus personagens. Polêmicas à parte, volta e meia a editora abre mão de seu lado mais conservador e abraça uma nova proposta. Neste caso em específico, foi um grande acerto.

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“Batman Ano 100” é uma obra extremamente autoral do artista americano Paul Pope, mais conhecido no circuito underground dos quadrinhos. De modo geral, sua escrita é por vezes um pouco lisérgica e seus desenhos têm um traço que mistura o rústico com o belo. Ainda que não tenha o selo Elseworld na capa, essa revista é um desses casos, um conto imaginário se preferirem. Em histórias passadas, como no polêmico “Batman de Berlim”, Pope já tinha pincelado um pouco da sua visão do herói: um símbolo libertário. Aliás, por se tratar de uma história autoral, ela acaba refletindo um pouco dos ideais do escritor e portanto, para o bom proveito da trama, é preciso manter a mente aberta caso suas ideias não convirjam com as dele.
Numa temática bem próxima ao cyberpunk, o artista recria o mito do Batman na Gotham de 2039, dando sentido ao nome da revista, já que o Cavaleiro das Trevas surgiu em 1939. Vemos um novo Comissário Gordon, um novo Homem Morcego, uma nova Gotham e até mesmo um novo Robin(feito de uma forma bem interessante, diga-se de passagem). O status do Batman dentro da cidade é o de lenda urbana, gerando grande comoção quando avistado pelos “membros do partido”.
Sim, “membros do partido”, já que a história de Pope é uma ode aos grandes contos sobre liberdade individual num Estado extremamente controlador, tal qual mostrado por George Orwell em “1984“, Alan Moore em “V de Vingança” ou Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo” (ainda que ideologicamente falando, o autor siga mais para uma Ayn Rand de “A Revolta de Atlas“). Assim como nas histórias de outrora, há uma dicotomia muito grande entre a força do personagem principal e do Estado que age contra ele.
Livros
Enquanto os soldados que caçam o “Batman de Gotham” dispõem da mais avançada tecnologia de rastreamento, o vigilante usa apenas um moletom surrado, sua mente habilidosa e uma dentadura postiça, já que desde sempre “criminosos são covardes e supersticiosos”, e dentro da visão que Pope passa, não há crime maior do que privar alguém da liberdade, do direito de escolha. Ou seja, ainda que exista uma trama que serve de fio condutor para a história (o roubo de um vírus antropofágico), ela serve apenas para promover a interação entre os personagens, apresentá-los e mostrar ao leitor quem é de fato o real inimigo do Morcego.
Ideologias a parte, “Ano 100” homenageia momentos clássicos da historiografia do Homem Morcego, sobretudo da aclamada “Batman Ano Um” de Frank Miller. O título por si só já é uma referência clara, contando ainda com um paralelo bem evidente na cena de perseguição das forças especiais ao Batman, aludindo a perseguição da SWAT ao personagem na história de Miller.
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Outra releitura possível de se encontrar é a evolução de Gordon como personagem e sua relação com o Homem Morcego, que também está bem próxima a origem clássica do Cavaleiro das Trevas. Muitos momentos inclusive possuem similaridades, que não serão elencados aqui para não deixar esse texto maçante, mas eles estão lá. Até mesmo os retratos falados do vigilante nas duas histórias são extremamente semelhantes, tornando-as ainda mais próximas.
Um dos aspectos mais interessantes e válidos dessa revista é a forma como ela retrata o Homem Morcego. É mencionado certa hora que a primeira aparição conhecida do Batman de Gotham se deu em 1939 (uma brincadeira com o ano de publicação do personagem) e que seria impossível ele estar vivo, pois teria entre cento e trinta e cento e quarenta anos. Porém, as vozes da versão do séc. XX e do séc. XIX eram idênticas. Como seria possível?
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Pope lança aqui a deixa de que o Batman é um conceito atemporal. Não possui uma única face, um único corpo, mas uma única voz (como citado pelos peritos, acima). Mimetismos vocálicos à parte (coisa que o Cavaleiro das Trevas sabe fazer muito bem), isso é uma metáfora aos ideais do personagem, que se mantiveram os mesmos ao longo de cem anos. Essa “única voz” representa o ressoar do seu ideal, liberdade, defendido pelo escritor.
Essa interpretação alude diretamente a história do “Batman de Berlim”, citada no início deste texto. Publicada originalmente em Batman Chronicles v1 #11, a história retratava a vida do aristocrata Baruch Wane, em meio a Segunda Guerra Mundial, que lutava por ideais libertários. Algumas coisas aí chamam a atenção, como o fato dessa história em específico se passar em 1938 (um ano antes da primeira aparição do Batman de Gotham), de ela citar Von Mises, um dos expoentes do liberalismo (aparentemente defendido por Baruch) e dizer que ele fugiu em 38 para os EUA, onde pode difundir seus ideais.
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Ademais, a curta história termina com a frase “o Batman, como todos nós sabemos, evoluiu naquilo a que se propunha, e o legado de suas façanhas continua a crescer até os dias de hoje” (em tradução feita pela Opera Graphica). Olhando para as duas revistas, fica implícita uma conexão entre elas, tal que é provável que o Bruce Wayne dessa realidade tenha sido Baruch, que assim como Mises e tantos outros, migraram para os Estados Unidos no período da Guerra. Sua ida para o país se justifica pela frase dita pelo vigilante sobre construir algo novo e melhor, que supostamente seria a terra da tolerância e da liberdade, como eram vendidos os EUA naquela época.

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Voltando ao Ano 100, a revista é finalizada de maneira convincente. Deixa em aberto o futuro do personagem dentro desse universo, mas que fecha a história que queria contar. E é fundamental que o futuro do Batman fique em aberto, já que o personagem foi tratado a todo momento como símbolo, algo atemporal e perpétuo, valendo inclusive referências ao Batman original de Bob Kanee Bill Finger, o de Adam West (numa citação ao ano de 1966) e Cavaleiro das Trevas de Frank Miller (quando o comissário alega que o vigilante parece ter engordado). Pope mostra o Homem Morcego mais como a personificação de uma série de ideais do que propriamente um homem, e como tal, não envelhecem ou se cansam (algo aliás, semelhante ao que Grant Morrison viria a fazer em seu especial para Batman v1 #700).
Sem dúvida, “Batman Ano 100” é uma leitura única e que irá agradar aos fãs mais ávidos de histórias cyberpunk, aos fãs de quadrinhos mais alternativos e também aqueles que gostam de ler um bom quadrinho de super-herói. Ainda que seja uma ótima história, a edição brasileira foi publicada apenas uma vez pela Panini Comics em 2006, num formato que respeitou muito a publicação original (inclusive atentado para a estética diferenciada da tipografia e dos extras nas contracapas). Espera-se que um dia a editora republique essa boa história de Paul Pope, indispensável para um Batmaníaco.
Por Luis Alberto

Fonte: Terra Zero

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2 Comentários

  1. quem desenhou esse Batman devia ter feito "a morte do Morcego" com essa cara o morcego tem que morrerrrr!!Marcos Punch.

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    1. É o tipo de arte "ame" ou "odeie". Acho que não tem meio termo.
      Particularmente eu também não gostei.

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