Muito se fala sobre a liberdade criativa
que a DC Entertainment dá a seus artistas para desenvolver
ideias mais autorais com seus personagens. Polêmicas à parte, volta e meia a
editora abre mão de seu lado mais conservador e abraça uma nova proposta. Neste
caso em específico, foi um grande acerto.
Numa
temática bem próxima ao cyberpunk, o artista recria o mito do Batman na Gotham de 2039, dando sentido ao nome da
revista, já que o Cavaleiro das Trevas surgiu em 1939. Vemos um novo Comissário Gordon, um novo Homem
Morcego, uma nova Gotham e até mesmo um novo Robin(feito de uma forma bem
interessante, diga-se de passagem). O status do
Batman dentro da cidade é o de lenda urbana, gerando grande comoção quando
avistado pelos “membros do partido”.
Sim,
“membros do partido”, já que a história de Pope é uma ode aos grandes
contos sobre liberdade individual num Estado extremamente controlador, tal
qual mostrado por George Orwell em “1984“, Alan
Moore em “V de Vingança” ou Aldous
Huxley em “Admirável Mundo Novo” (ainda que
ideologicamente falando, o autor siga mais para uma Ayn
Rand de “A Revolta de Atlas“). Assim como nas
histórias de outrora, há uma dicotomia muito grande entre a força do personagem
principal e do Estado que age contra ele.
Enquanto os soldados que caçam o “Batman de Gotham” dispõem da mais
avançada tecnologia de rastreamento, o vigilante usa apenas um moletom surrado,
sua mente habilidosa e uma dentadura postiça, já que desde sempre “criminosos
são covardes e supersticiosos”, e dentro da visão que Pope passa, não há crime
maior do que privar alguém da liberdade, do direito de escolha. Ou seja, ainda
que exista uma trama que serve de fio condutor para a história (o roubo de
um vírus antropofágico), ela serve apenas para promover a interação entre os
personagens, apresentá-los e mostrar ao leitor quem é de fato o real
inimigo do Morcego.
Ideologias a
parte, “Ano 100” homenageia momentos clássicos da historiografia do Homem
Morcego, sobretudo da aclamada “Batman Ano Um” de Frank Miller. O título por si
só já é uma referência clara, contando ainda com um paralelo bem evidente na
cena de perseguição das forças especiais ao Batman, aludindo a perseguição da
SWAT ao personagem na história de Miller.
Outra releitura possível de se encontrar é a evolução de Gordon como
personagem e sua relação com o Homem Morcego, que também está bem próxima a
origem clássica do Cavaleiro das Trevas. Muitos momentos inclusive possuem
similaridades, que não serão elencados aqui para não deixar esse texto maçante,
mas eles estão lá. Até mesmo os retratos falados do vigilante nas duas
histórias são extremamente semelhantes, tornando-as ainda mais próximas.
Um dos
aspectos mais interessantes e válidos dessa revista é a forma como ela retrata
o Homem Morcego. É mencionado certa hora que a primeira aparição conhecida do
Batman de Gotham se deu em 1939 (uma brincadeira com o ano de publicação do
personagem) e que seria impossível ele estar vivo, pois teria entre cento e
trinta e cento e quarenta anos. Porém, as vozes da versão do séc. XX e do séc.
XIX eram idênticas. Como seria possível?
Pope lança aqui a deixa de que o Batman é um conceito atemporal. Não
possui uma única face, um único corpo, mas uma única voz (como citado pelos
peritos, acima). Mimetismos vocálicos à parte (coisa que o Cavaleiro das Trevas
sabe fazer muito bem), isso é uma metáfora aos ideais do personagem, que se
mantiveram os mesmos ao longo de cem anos. Essa “única voz” representa o
ressoar do seu ideal, liberdade, defendido pelo escritor.
Essa
interpretação alude diretamente a história do “Batman de Berlim”, citada no
início deste texto. Publicada originalmente em “Batman Chronicles v1 #11“, a história retratava a vida do
aristocrata Baruch Wane, em meio a Segunda Guerra
Mundial, que lutava por ideais libertários. Algumas coisas aí chamam a atenção,
como o fato dessa história em específico se passar em 1938 (um ano antes da
primeira aparição do Batman de Gotham), de ela citar Von Mises, um dos
expoentes do liberalismo (aparentemente defendido por Baruch) e dizer que ele
fugiu em 38 para os EUA, onde pode difundir seus ideais.
Ademais, a curta história termina com a
frase “o Batman, como todos nós
sabemos, evoluiu naquilo a que se propunha, e o legado de suas façanhas
continua a crescer até os dias de hoje” (em
tradução feita pela Opera Graphica). Olhando para as duas revistas, fica
implícita uma conexão entre elas, tal que é provável que o Bruce Wayne dessa
realidade tenha sido Baruch, que assim como Mises e tantos outros, migraram
para os Estados Unidos no período da Guerra. Sua ida para o país se justifica
pela frase dita pelo vigilante sobre construir algo novo e melhor, que
supostamente seria a terra da tolerância e da liberdade, como eram vendidos
os EUA naquela época.
Voltando ao Ano 100, a revista é finalizada de maneira convincente.
Deixa em aberto o futuro do personagem dentro desse universo, mas que fecha a
história que queria contar. E é fundamental que o futuro do Batman fique em
aberto, já que o personagem foi tratado a todo momento como símbolo, algo
atemporal e perpétuo, valendo inclusive referências ao Batman original de Bob
Kanee Bill Finger, o de Adam
West (numa
citação ao ano de 1966) e Cavaleiro das Trevas de Frank
Miller (quando o comissário alega que o vigilante parece ter engordado).
Pope mostra o Homem Morcego mais como a personificação de uma série
de ideais do que propriamente um homem, e como tal, não envelhecem ou
se cansam (algo aliás, semelhante ao que Grant Morrison viria a fazer em
seu especial para Batman v1 #700).
Sem dúvida,
“Batman Ano 100” é uma
leitura única e que irá agradar aos fãs mais ávidos de histórias cyberpunk, aos
fãs de quadrinhos mais alternativos e também aqueles que gostam de ler um bom
quadrinho de super-herói. Ainda que seja uma ótima história, a edição
brasileira foi publicada apenas uma vez pela Panini Comics em 2006, num formato que respeitou
muito a publicação original (inclusive atentado para a estética diferenciada da
tipografia e dos extras nas contracapas). Espera-se que um dia a editora
republique essa boa história de Paul Pope, indispensável para um Batmaníaco.
Por Luis Alberto
Fonte: Terra Zero
2 Comentários
quem desenhou esse Batman devia ter feito "a morte do Morcego" com essa cara o morcego tem que morrerrrr!!Marcos Punch.
ResponderExcluirÉ o tipo de arte "ame" ou "odeie". Acho que não tem meio termo.
ExcluirParticularmente eu também não gostei.