Pare e pense por um momento: como
seria o mundo caso existissem super-heróis? Seria um lugar melhor de se viver
como as HQs convencionais nos mostram, ou as coisas não seriam assim tão
simples? O governo, seria complacente com super-poderosos vagando pelo mundo?
E as guerras? Como isso as afetaria? Alan Moore, escritor de obras como V
de Vingança, Do Inferno e Monstro do Pântano, e talvez o maior
gênio em se tratando de HQs, responde esta pergunta.
Publicada em Setembro de 1986 pela
DC Comics, Watchmen se passa em uma versão alternativa da década de 1980, onde
a existência de “vigilantes mascarados” e um pequeno deus criado de forma
acidental pela ciência levou a história a tomar rumos diferentes. O Presidente
Nixon se candidata a um segundo mandato, os EUA vencem facilmente a Guerra do
Vietnã e novas tecnologias são desenvolvidas, como rentáveis carros elétricos.
Entretanto, quanto mais a segunda
geração de vigilantes se populariza, mais aumenta a retaliação do povo. Não
tarda para que a população comece a questionar “Who watches the Watchmen?” (do
Latim “Quis custodiet ipsos custodes?”), que pode ser traduzido para “Quem
vigia os vigilantes?”.
Devido à rejeição popular, é
implantada a Lei Keene, que exige o registro dos “vigilantes mascarados” no
governo, o que força a aposentadoria da maioria dos vigilantes. Alguns poucos
se registram e passam a trabalhar para os EUA, enquanto um, de forma renegada,
continua exercendo o papel de vigilante, sendo constantemente procurado pela
polícia.
A história se inicia com o
misterioso assassinato de Edward Blake, o vigilante conhecido como Comediante,
que, após a Lei Keene, passou a trabalhar perante ordens do governo. Rorschach,
que ignora a lei e continua patrulhando as ruas, se interessa pelo caso e toma
para si a tarefa de informar aos seus companheiros que alguém está dando cabo
dos antigos justiceiros. A partir deste ponto, somos apresentados aos
personagens, pessoas completamente diferentes umas das outras, e decidirmos
quais deles compreendemos melhor.
Temos Jon Osterman, o Dr.
Manhattan: um cientista que ganhou poder sobre a matéria quando foi
acidentalmente desintegrado em uma experiência. Agora ele trabalha como agente
sancionado pelo governo dos Estados Unidos. O Dr. Manhattan vive num tipo de
universo quântico e assimila o tempo de maneira simultânea. Para ele, o passado
e o futuro estão acontecendo. Isso tem grande influência na percepção do
personagem sobre os assuntos humanos.
Adriam Veidt, o Ozymandias,
também conhecido como o homem mais inteligente do mundo: Visionário e admirador
de Alexandre da Macedônia, chega a afirmar que este é o único ser humano com
qual tinha alguma afinidade. Com seu extraordinário intelecto, ele consegue
domínio total sobre seu corpo, possuindo diversas habilidades físicas. Também
foi capaz de antecipar a onda anti-heróis, se aposentando antes e revelando sua
identidade. Assim evitou a rejeição da opinião pública que acometeu seus
companheiros e tornou-se uma celebridade adorada por todos.
Edward Blake, o Comediante, que
também está a serviço do governo americano: Blake não tem ilusões a respeito do
mundo e das pessoas. Ele não está nessa por um mundo melhor e o único refúgio
que encontra é o humor. Sua ironia é amarga, porque sua visão da realidade é
complemente crua. Sua conduta amoral é uma resposta terrível para a única
alternativa aparentemente possível diante de tanta consciência: o desespero.
Num mundo onde não pode haver consenso que não seja fabricado, onde a
democracia é privatizada e as próprias revoltas são lutas sugeridas pelo poder
para dar a falsa ilusão de que o controle não é completo, o Comediante está
bastante à vontade.
Walter Kovacs, Rorschach:
pessimista, paranoico e incapaz de viver em sociedade, Rorschach construiu sua
própria moral. Recusa-se a ver o mundo em tons de cinza. Para ele, os fins não
justificam os meios. Existe o que é aceitável e o que não é, preto e branco sem
se misturar, exatamente como a sua máscara. É convicto no que acredita, e põe
suas opiniões a frente da própria vida.
Dan Dreiberg é um homem rico e
tímido, que nunca se desfez de todos os apetrechos da época que combatia o
crime pelas ruas sobre a alcunha de Coruja. Ele se sente arrependido por
abandonar tão condescendentemente a carreira de vigilante, onde fazia dupla com
Rorscharc. De repente, ele se sente motivado para infringir a lei e, para nossa
surpresa, vemos que todo o seu equipamento tecnológico só estava esperando uma
boa oportunidade para ser colocado em funcionamento. Dan é responsável por
expandir as investigações de Roscharch e descobrir o que realmente está
acontecendo.
E por último, mas não menos
importante, Laurie Júpiter, a Spectral, que até então era casada com o Dr.
Manhattan. Laurie fica completamente aliviada com a lei Keene, uma vez que
acreditava ter seguido uma carreira imposta pela mãe, Sally Júpiter, a primeira
Spectral. Depois de uma briga com Jon, onde o acusa de completa indiferença,
Laurie se hospeda na casa de Dan Dreiberg, o Coruja, com quem se envolve num
relacionamento e, para sua surpresa, volta a usar o uniforme quando Dan começa
a acreditar na teoria de conspiração de Rorscharch. Laurie era o vínculo de Jon
com a humanidade, e o fim do casamento deles coloca a humanidade em uma grande
turbulência política.
A existência de um deus entre os
homens como o Dr. Manhattan é largamente explorada. Tecnologias que antes
seriam impossíveis de desenvolver são criadas devido ao seu auxílio, conflitos
que levariam anos para serem resolvidos chegam ao fim por causa de sua mera
presença. O mundo parece se beneficiar dele. Isso até a chegada da Guerra
Fria.
Se no nosso mundo, a Guerra Fria
quase levou a uma III Guerra Mundial devido à batalha de poderes entre a União
Soviética e os EUA, imaginem em um mundo onde existe o Dr. Manhattan. O seu
próprio nome o remete como propriedade dos Estados Unidos, e a União Soviética
não gosta disso. A III Guerra Mundial parece inevitável, e nem mesmo o Dr.
Manhattan poderia proteger a humanidade no caso de um holocausto nuclear. O fim
do mundo está próximo.
Frente à isso, o que seria
necessário para salvar a humanidade de si mesma? O que levaria a humanidade a
pôr de lado suas diferenças ao menos por um momento? Alguém na história
encontra a resposta para tal questão, e resolve por seu plano em prática. Doa a
quem doer.
Os desenhos de Dave Gibbons são mais
que competentes. Sua arte é crua, o que casa perfeitamente com o estilo
visceral da história. Também é carregada de sutilezas que só percebemos depois
de uma segunda lida. Reparem, por exemplo, em como Ozymandias e Coruja carregam
uma expressão triste por grande parte da história, cada um por seu próprio
motivo. Intrigante.
Watchmen é um marco das HQs.
Considerada por muitos a melhor HQ já escrita, e a única história em quadrinhos
considerada obra de arte pela crítica em geral, é uma obra para se ler e reler
diversas vezes. Filosofia, política, cultura, ciência e questionamentos éticos
e morais se encontram nesta história, que não só foge dos clichês das revistas
de super-heróis, como brinca com eles. Ao fim da leitura, você vai se
questionar qual a razão de nós, seres humanos, sermos assim. Mas já vou
avisando: não perca muito tempo com isso. A verdade é que somos complicados
demais.
Por Sabedoria Nerd
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