A
história que inspirou o filme “Capitão América 2: O Soldado Invernal” foi
publicada em meados dos anos 2000, numa época em que os atentados contra as
Torres Gêmeas ainda eram uma notícia recente e os Estados Unidos estavam
abalados como nunca. Ed Brubaker teve a missão de escrever as histórias do
personagem que representava a América, e torcer para que isso ainda valesse
alguma coisa.
É claro que valia.
Dito isto, aqui estou eu escrevendo
uma resenha para uma história de um personagem chamado Capitão América, não
porque o fato dele representar a América faz com que ele mereça mais atenção,
ou mesmo por falta de outras opções de material nacional. Escrevo essa resenha
simplesmente porque histórias não têm pátria. Elas estão livres e vivas em
nossas mentes, e podem nascer em qualquer parte do mundo.
E essa
história em questão começou a ser contada aos poucos, com Brubaker “comendo
pelas beiradas”. O que ele queria fazer não seria facilmente aceito pelos
leitores. Era preciso ter uma boa razão, uma boa explicação. Ser convincente.
Ele queria trazer de volta um personagem que já estava morto há muito tempo, e
para muitos, deveria continuar assim: Bucky Barnes, o parceiro do Capitão
América durante a segunda guerra… o verdadeiro Bucky, não Jack Monroe, que
atuou como Bucky ao lado de outro homem que se passou por Capitão América
durante os anos 50, enquanto o verdadeiro Steve Rogers estava congelado. Monroe
já havia sido trazido de volta e assumiu a identidade de “Nômade”, embora sua
carreira heroica não tenha sido das mais bem sucedidas.
A
ideia de Brubaker era trazer o genuíno James Buchanan Barnes, vulgo Bucky, aquele que lutou
ao lado do Capitão, e era seu parceiro e amigo. Mas para tanto, era preciso ser
cauteloso, pois ressurreições são difíceis de engolir (apesar de comuns nos
quadrinhos). A coisa toda foi bem planejada, envolvendo o Caveira Vermelha e
seu (suposto) assassinato, e um novo inimigo de posse de um Cubo Cósmico,
objeto capaz de dobrar a realidade de acordo com vontade de seu usuário. Ao
lado de velhos conhecidos como a agente Sharon Carter da Shield, o Falcão, Tony
Stark e o próprio Nick Fury, as investigações das ações criminosas desse novo
inimigo levaram a acreditar que alguém muito parecido com Bucky estava a
serviço de uma organização russa. Mas seria uma fraude? Como a morte do Caveira
Vermelha se encaixava nisso tudo?
Brubaker se esforçou em dar
veracidade a sua história, foi detalhista e preocupou-se em montar todo um
cenário de fundo o mais “pé no chão” que pôde. Tanto que a explicação do
retorno de Bucky é apresentada ao Capitão e aos leitores na forma de um dossiê
minucioso contando todas as etapas, todos os eventos que permitiram que isso
fosse possível.
Entretanto, apesar de toda a pompa e
circunstância, e da inegável habilidade de escrita exibida pelo autor, o fato é
que a explicação era simples: o Bucky original estava vivo porque foi salvo por
um submarino russo e reanimado pelos cientistas dessa nação. Sua mente foi
reprogramada, e seu braço amputado substituído por uma prótese, o que não
afetou suas habilidades de combate. Ele se tornou uma arma secreta da Rússia,
um agente infiltrado e um assassino cumprindo ordens às cegas. Por vezes sua
mente tentava restaurar as memórias de seu tempo como parceiro do Capitão
América, e por isso ele era colocado em estado de animação suspensa entre as
missões, sempre recebendo uma nova programação ao despertar.
O “Soldado Invernal” como passou a
ser chamado, tornou-se uma ferramenta sem vontade, servindo aos propósitos
sórdidos de mentes perturbadas. O que foi feito com ele é de uma desumanidade
perturbadora… que se arrastou por anos à fio, até que enfim o caminho dele
finalmente se cruzou com o do Capitão América. Quando se encontram frente à
frente, há pouco diálogo entre eles, mas quando se enfrentam o Capitão abre seu
peito e deixa sua guarda baixa, num ato de confiança, acreditando que ainda
exista algo do que ele fora no passado dentro de si.
De posse do Cubo, o Capitão faz com
que Bucky se lembre de quem foi.
O desfecho não é exatamente feliz,
mas o Soldado Invernal se lembra de quem é, embora a vergonha, a culpa e o
trauma de tudo o que ele passou não deixe que ele encare o Capitão, destruindo
o Cubo Cósmico e desaparecendo, dando a entender a todos que morreu… todos,
menos o Capitão América.
Mesmo que o retorno de Bucky tenha
tido uma explicação menos convincente do que se esperava, tornou-se uma grande
história graças aos aparatos narrativos de Ed Brubaker, que mergulhou de
cabeça, acreditando no que escrevia e por consequência, nos fazendo acreditar.
Sendo assim, o autor pode dar sua
missão como cumprida.
Fonte: O Santuário
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