Definitivamente, os anos 1980
mostraram como um roteiro de quadrinhos poderia ser elaborado e bem construído
se colocado nas mãos de roteiristas que se empenhavam em produzir boas
histórias. Conhecedora de tal fato, talvez, a Panini trouxe de volta algumas
edições que nos mostram personagens um pouco diferentes daqueles que conhecemos
hoje, mas, mesmo assim, reconhecíveis ao jovem acostumado à verborragia sem
sentido de Deadpool e Arlequina.
A trama segue a premissa básica criada por
Stan Lee desde a década 1960 – há uma discriminação generalizada aos mutantes
porque seus poderes são alvo de inveja e medo pela sociedade comum. Em Stan Lee era uma simples metáfora ao que
acontecia com todo tipo de gente que não se enquadrava num determinado padrão
de normalidade confuso e contraditório existente em qualquer sociedade através
dos tempos. Claremont tece algo diferente – a discriminação fomenta ódio que,
por sua vez, alimenta narrativas em paralelo para
justificar esse mesmo ódio. A combustão está realizada. Poucos anos antes, o
autor já estabelecera que os mutantes seriam as principais vítimas do ódio da
nação. Todos os humanos, basta
reparar, contam histórias sobre mutantes ou mandam algumas frases feitas sobre
aquilo que os mutantes fazem –para eles, matar, matar, matar.
O leitor dessa época, adolescente ou
não, sabia muito bem que os mutantes eram um reflexo das minorias, perseguidas e vítimas de
todos os problemas sociais existentes. Desemprego? Culpa dos gays! Inflação?
Negros! Etc. O roteirista sabia que, nos anos 1980 dos EUA, a campanha contra
todo o tipo de discriminação estava
a pleno vapor, o que abria a margem para o autor mostrar que, quando há luta
contra o preconceito, ele não ataca mais um determinado lado, mudando a outro –
como se fosse uma das características distintivas da humanidade possuir,
enquanto espécie, atitudes de discriminação para com seus semelhantes.
A maior sacada de Claremont é perceber que
a discriminação é um fenômeno típico da classe média que se alastra para as
outras classes. Na cena acima, vê-se claramente que as pessoas de classes
sociais mais humildes não possuem tempo ou disposição para efetivamente
declararem-se preconceituosas, preferindo julgar as pessoas (sejam mutantes ou
não) por suas ações. A história ainda possui um aperitivo a mais: estávamos na
época da primeira formação do grupo X-Factor. Esse grupo de heróis agia sob
duas premissas: X-Factor era um grupo que perseguia mutantes para o bem comum,
ou seja, capturava os mutantes para que o homem comum continuasse em segurança. Sua
outra faceta era o grupo Exterminadores, os mesmos mutantes (a formação
original dos X-Men – Ciclope, Anjo, Fera, Homem de Gelo e a ressuscitada Jean
Grey) travestiam-se de heróis para “combater” o
X-Factor. Uma fachada em cima de outra fachada, revelando mais uma fachada – as
constantes brigas internas e a premissa fundamental de Chris Claremont ao
estabelecer relações entre indivíduos sob o código de três (mais a frente,
retomarei o tópico).
O roteirista insiste no ponto – a
discriminação é o tema da revista. Talvez a história seja uma grande alegoria
ao que acontecia em outras épocas em que a discriminação era algo mais
evidente. Vejamos outro exemplo:
A cena mostra um combalido Noturno sendo
perseguido por uma turba que deseja sua morte. O motivo não poderia ser outro –
ele é mutante e tem uma aparência desagradável aos olhos da média da população. Piotr, Illyana e
Kitty vão ao resgate do amigo e a cena mostra um importante mecanismo para o
funcionamento do preconceito. Todo o discurso dos preconceituosos é carregado
por uma boa dose de analogias (se um fez, outro fará) e imaginação, mas a
última é levada para o lado negativo, com o objetivo de despertar terror. Lendo
a história cerca de 30 anos depois, fica claro que nós, as pessoas da moda, os
comandantes do universo, as pessoas que são as detentoras da opinião sobre tudo
e todos, não somos tão diferentes dos “humanos” naquela cena. Somos tão somente
mais um bando que usa as ferramentas virtuais para perpetrar os mesmos sentimentos de discriminação e ódio,
não é mesmo? Tudo isso com altas doses de imaginação para justificar nossos medos que são idênticos àqueles que já existiram e serão idênticos
aos que existirão.
Fonte:
Iluminerds
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