Os benefícios da tecnologia ao mundo
moderno e a própria base de sua existência são inegáveis, mas o mesmo avanço
que nos proporciona o poder de interferir no código genético humano e nos levar
do mais remoto ponto do oceano até a construir bases orbitais no espaço não são
dádivas desprovidas de revezes. Dos pequenos eventos imperceptíveis aos nossos
olhos ocorrendo em escala microscópica em nível quântico até as armas de
destruição em massa, passando pela manipulação do DNA em cobaias humanas e
animais… a ciência avança inexorável e nós não podemos (nem queremos?) conter
sua marcha.
O homem tornou-se não apenas
observador do ambiente, mas arquiteto do espaço à sua volta. A ciência
moderna é comparável ao que era considerado a magia do passado, e com ela temos
o poder de mudar o curso dos rios… baixar músicas em mp3… imprimir réplicas de
órgãos em impressoras 3D para aprimorar procedimentos cirúrgicos… e aplacar
nosso instinto consumista em Shopping Centers inteligentes.
Até onde a tecnologia pode nos
levar? O que é ficção de histórias em quadrinhos hoje, poderá ser o cotidiano
do amanhã? O Meio Ambiente será devorado pela nossa ganância ou salvo pela
nossa consciência? A Terra irá sobreviver ao homem? O Homem sobreviverá ao
Homem?
Não sou contrário aos avanços
tecnológicos, mas realmente considero preocupante como ele parece prosperar mais
em direção aos interesses da guerra do que aos propósitos da paz…
A vida imita a
arte, e desde sempre as maiores invenções da humanidade aconteceram
primeiro na ficção. É sobre isso que eu queria falar hoje…
E por acaso esse texto vem a ser
também uma resenha dos especiais encadernados “Homem de Ferro Extremis” e
“Wolverine: Arma X”. Dois perfeitos exemplos da aplicação da tecnologia na vida
dos meros mortais… bombas destrutivas criadas com a melhor das intenções e
experimentos genéticos bizarros visando o aprimoramento dos nossos corpos…
Duas obras de ficção. Pelo menos por
enquanto…
HOMEM DE FERRO: EXTREMIS
Dificilmente Warren Ellis escreveria
uma história medíocre para um personagem com um conceito tão promissor quanto
Anthony Stark. “Extremis” é o upgrade que o Homem de Ferro precisava, vindo na
hora certa para deixá-lo ainda mais atrativo para sua versão cinematográfica.
Precedendo seus filmes, a visão de Ellis foi claramente uma influência para
eles. Na trama vemos Tony sendo questionado sobre as consequências do uso
irresponsável da tecnologia para a indústria militar e a fabricação de armas em
geral, área em que sua empresa bilionária (isso mesmo, com “b”) é inegavelmente
muito eficiente. Numa auto-análise, Tony coloca na balança prós e contras, nos
mostrando que o conhecimento é algo neutro e seu bom ou mau uso sempre estará a
mercê da consciência das pessoas que desfrutam dele. Concomitantemente, ele
recebe um pedido de ajuda de uma amiga cientista que tem seu projeto roubado, e
se envolve numa dura batalha contra outro grupo de “terroristas”, cujo
embate atinge questionamentos derivados de outros problemas sociais envolvendo
um idealismo radical forjado pelas máquinas da injustiça, que só fazem produzir
monstros cada vez mais disformes, materializando a decadência da estupidez
humana.
E em meio a tudo isso, somos
apresentados a uma releitura da origem do Homem de Ferro, através de
flashbacks, onde uma pertinente atualização do clássico dos anos sessenta é
recontada de forma impecável pelo autor.
A arte do bósnio Adi Granov é uma
espécie de refino daquilo que de melhor poderia se imaginar para os desenhos de
uma história em quadrinhos tratando de temas como a avanço da tecnologia.
Lápis, guache e photoshop se unem para nos apresentar umas das melhores
caracterizações de um homem vestindo uma armadura voadora já publicadas. Tanto
que o artista foi convidado a fazer o design da armadura para os primeiros
filmes do Homem de Ferro e dos Vingadores. Acho que isso dispensa mais
comentários.
WOLVERINE:
ARMA X
A mesmo tecnologia que cura doenças
e nos possibilita criar máquinas voadoras, também pode ocultar as piores
crueldades atrás das paredes de laboratórios chefiados por mentes que apesar de
geniais, não conseguem enxergar o limite entre ética e abominação.
Em alguma esquina dos anos sessenta,
um homem é raptado e levado a uma instalação tecnológica onde é submetido a
experimentos desumanos, destituído de respeito e dignidade, ele tem seu corpo
invadido e submetido a procedimentos cirúrgicos e intervenções psicológicas
visando fazer dele não um soldado… mas uma arma!
Acontece que esse homem é Logan, o
mutante que conhecemos como Wolverine. Os procedimentos que certamente levariam
a óbito qualquer pessoa normal, resultam em sucesso graças a mutação que
lhe concede um fator de cura poderoso, mas não o deixa imune a dor, nem ao
sentimento de vingança. Praticamente abatido como um animal, ele é entubado,
colocado em um tanque, e violado tanto em seu corpo quanto em sua mente. Seus
ossos são blindados com adamantium, o fictício metal mais resistente conhecido
no Universo Marvel. Mas para surpresa e assombro de seus captores, a cobaia
supera todas as expectativas, manifestando garras constituídas desse metal, e
mostrando-se um guerreiro feroz e incontrolável. Um Wolverine sedento de
sangue… que prestes a despertar do controle de seus algozes, não vai deixar
barato o que lhe fizeram.
História, arte e maestria de Barry
Windsor-Smith, que pela primeira vez revelou aos leitores detalhadamente os
mistérios da inserção do adamantium nos ossos do X-Man, um fato que já havia
sido abordado superficialmente mas sempre esteve enevoado e perdido nas
lembranças do mutante. Com uma narrativa contada basicamente pelo ponto de
vista dos “vilões”, temos todos os detalhes da tortura e do sofrimento
infligido ao Wolverine, quase nos sentindo dentro daquele tanque, e também
compartilhando de sua justa vontade de se vingar.
Obviamente, Arma X também foi de grande
influência para a versão cinematográfica do personagem e fulgura até hoje como
um clássico obrigatório para seus fãs. Um fato curioso é que, conforme descrito
pelo próprio Windsor-Smith, em conversa com Chris Claremont, na época
responsável pelo sucesso do título dos X-Men, este lhe disse que sempre desejou
escrever sobre como o vilão Apocalipse tinha sido o responsável pelo adamantium
de Wolverine. Em respeito a isso, o autor de Arma X incluiu uma “voz
misteriosa” nos diálogos, colocando-a como a verdadeira responsável pelo
projeto. Embora em nenhum momento da história ele seja identificado, o autor
garante que a voz era do Apocalipse. Chris Claremont deixou o título dos X-Men
antes de ter oportunidade de contar sua versão, deixando o tema até hoje em
aberto. Talvez um dia ele retorne a essa história… ou talvez isso simplesmente
não seja necessário.
E assim, espero ter conseguido
concluir minha pequena conexão entre essas duas obras, produzidas em épocas
diferentes, por artistas diferentes, mas que em comum tiveram o implacável
impacto da tecnologia nas vidas de seus personagens… como eu disse no começo
desse texto, duas obras da mais completa ficção… pelo menos até que alguém
descubra como trazê-la para a nossa realidade.
Não me surpreenderia se daqui a
(pouco) tempo, eu venha a reler esse artigo e descubra que muitos desses
conceitos (guardadas as devidas proporções) de fato já estarão sendo praticados
pelos cientistas do mundo real. (Se é que já não estejam).
Então, só me resta torcer para que a
consciência prevaleça sobre a ganância… e que o bom senso vença essa guerra.
Por
Rodrigo Garrit
Fonte:
O Santuário
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