A Crise Nas Infinitas Terras foi a ousada saga que redefiniu as
estruturas dos quadrinhos da DC Comics, centralizando
acontecimentos e retirando incongruências produzidas por roteiristas ao longo
dos anos. Não há quem não cite esta saga com devoção canônica. Porém, após este
acontecimento de grandes proporções, era necessário demonstrar ao público uma
nova faceta das personagens e, com este reinício, apresentar novas histórias.
Batman: Ano Um foi uma aventura de quatro
partes publicada na revista mensal do Morcego e lançada no país, originalmente
em setembro de 1987, em Batman nº 1, sendo republicada quatro vezes, incluindo
esta edição de luxo da Panini. As quatro partes da trama são como atos
narrativos de uma peça literária, apresentando aspectos diferentes da criação
da figura do Morcego. Indo além da origem do herói, a história apresenta a
chegada de Gordon a Gotham City, um elemento narrativo que se amarra à fundação
da personagem central.
Situada em um período de um ano, a história é bem dosada
temporalmente tanto por cenas-chave da concepção da personagem como por cenas
breves de treinamentos e do cotidiano policial por parte de Gordon. Miller leva
ao pé da letra a concepção de um ano e apresenta o lento desenvolvimento desta
dupla. Batman ainda é um homem em treinamento, à procura dos primeiros contatos
para testar suas habilidades, enquanto Gordon, recém transferido, observa como
funciona a polícia corrupta do local.
Miller desenvolve o roteiro com simplicidade sem perder o
requinte narrativo. Equilibra-se bem entre Batman e Gordon, demonstrando que
ambos são peças fundamentais que representam um mesmo ideal: a manutenção da
cidade e da lei. A obra observa o amadurecimento destas personagens: Batman
pela rigidez e disciplina da luta após erros e acertos em campo, e Gordon como
o único policial incorruptível da corporação, tendo de arcar com a
responsabilidade de ser visto como um pária pela equipe. Em comum, ambos
possuem a retidão e admiram-se mutuamente, mesmo sem ainda se conhecerem. Não à
toa, boa parte deste roteiro foi inspiração para a concepção de Batman Begins de Christopher Nolan. Não só o encontro
com Gordon é idêntico como também o são outras cenas chave desta história.
Se Batman é a figura heroica vista com breve distanciamento
por conta da disciplina e do luto que carrega desde a infância, Gordon é
concebido como o homem que realiza o possível na medida de suas forças. Batman
sempre assemelhou-se com um deus capaz de sobrepujar tudo e todos. Mesmo que o
público reconheça-o como humano, seus feitos o elevaram a um olimpo invisível.
Enquanto o futuro Comissário é uma figura imperfeita que trai a esposa grávida
e sofre violência por parte de seus companheiros, ainda assim demonstra que em
seu caldeirão as intenções boas se sobressaem. Não à toa é um dos personagens
mais empáticos do universo do Morcego.
Batman demonstra desde o princípio a engenhosidade tática
que hoje é admirada por seus leitores. E mesmo inserido em um universo
fictício, a história de Miller apresenta uma vertente realista que
transforma a loucura heroica da personagem em um elemento mais crível, sendo a
base para a visão que leitores atuais têm do Morcego: um humano capaz de
sobrepujar a própria morte e eventuais colunas quebradas.
Os extras desta edição especial trazem diversos esboços de David
Mazzuchelli, além de uma breve biografia em quadrinhos
mostrando como surgiu seu interesse por desenhos. É um material rico para
observar a criação desta obra-prima. A arte desta edição foi inteiramente
repintada por Richmond Lewis em pinturas feitas à mão, que depois
foram inseridas nos desenhos de Mazzuchelli. Sem dúvida, as cores são parte da
proposta realista da história e produzem o toque final que faz desta obra uma
das aventuras primordiais do Morcego. Uma origem fundamental ao mito que Batman
se tornou.
Fonte: Vortex Cultural
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