O
principal fator que motivou a criação de Ra’s Al Ghul por parte de Denny
O’Neil e Neal
Adams era a
necessidade que o herói possuía de ter um grande vilão. Isso já acontecia com o
Batman, levando em consideração a presença do Coringa, mas, nos idos dos anos
70, sua figura já não era muito condizente com o teor mais adulto e sério de
sua abordagem. O contraponto ao senso de justiça do detetive vem com o Cabeça
do Demônio, que tem uma motivação semelhante à do nêmese, que, ao invés de
olhar somente uma metrópole como algo de necessária proteção, procura abranger
o salvamento do mundo todo. Porém, tal método se realizava por
vias muito mais radicais que as do cruzado encapuzado e de forma muito mais
egocêntrica, visto que Al Ghul se via como o futuro
ditador do planeta.
Em A
Filha do Demônio, Adams assina a arte com Giordano,
e a identidade secreta do encapuzado é mostrada muito facilmente desbaratada.
Ao ter de se deslocar ao subúrbio para ir até a bat-caverna, Batman, no
subterrâneo da mansão, se depara com Ra’s Al Ghul, que teria raptado Talia assim como mantinha o Garoto-Prodígio
cativo. Nas cenas recordatórias do incidente que deu origem ao herói, o lápis
de Adams emula os primeiros momentos da arte de Bob
Kane à frente do título da Detective
Comics. Mesmo antes da virada no final, é possível prever o que
ocorrerá. Ubu, o guarda-costas de Ra’s, faz questão de sempre lembrá-lo que “O
Mestre vai primeiro”, mantendo seu líder na dianteira — como ocorre com a divindade do Candomblé, Exu,
Orixá que sempre recebe as oferendas logo de início. Al Ghul é um exímio jogador, pondo-se passos
adiante de todos que com ele competem, incluindo Batman.
Sua face é curiosamente esculpida em montanhas pelas quais eles passam, e as
armadilhas parecem feitas cuidadosamente para assustar os aventureiros, mas não
para matá-los, como notado pelo investigador, que reage de forma
justificadamente irritada pela fracassada tentativa dos vilões em ludibriá-lo.
Após esse fato, ele trata de expor as intenções vis de seu opositor, tendo
ainda uma última surpresa.
Como no
número anterior, a história Pântano Sinistro começa com um susto de Alfred e a
aparição do Cabeça do Demônio — no
que seria quase uma fórmula para O’Neil. Os desenhos dessa vez são de Irv
Novick e Dick
Giordano, e a trama envolve o roubo de um experimento dos
laboratórios do novo nêmese do Morcego. Uma cena de ressurreição é
mostrada, ainda que seja somente a imaginação de Bruce baseada na narração de Al
Ghul, portanto sendo muito diferente das descidas ao Poço de
Lázaro.
Da mesma equipe criativa da história anterior, esta Vingança
Para Um Homem Morto mostra
o Morcego sendo
salvo por Talia em uma de suas investigações. A imagem
da moça consegue transitar facilmente entre a de um gato preto — belo e atraente, porém azarado — e a de um talismã que produz
sorte e faz o herói sair da enrascada, ainda que a origem desse imbróglio seja
por vezes ligado ou originado por ela. Somente após ver a falta de escrúpulos
de Ra’s Al Ghul ao manipular os restos mortais de um
ser humano para lograr êxito em seus intuitos, o herói percebe o falho caráter
do dito imortal. Mas, apesar disto, o Cabeça de Demônio se assemelha mais ao
arquétipo do anti-herói do que ao de um vilão clássico, uma vez que suas
intenções não são necessariamente más, e sim extremas, visando sempre algo
bravo e justo — ao menos sob seu ponto de vista.
O herói
volta a passar por histórias mais soturnas, bem diferentes das aventuras
burlescas dos anos 60, as mesmas que inspiraram o seriado de Adam
West. Tal retorno às sombras foi muito anterior ao Cavaleiro
das Trevas de Miller,
pois já dava os seus primeiros passos com estas histórias de O’Neil,
ainda que o início tenha sido realizado timidamente. Primeiro, a polêmica
parceria com Robin é deixada de lado, visto que Dick
Grayson está estudando em Hudson, o que faz com que suas participações sejam
muitíssimo esporádicas. Em Bruce Wayne… Descanse em Paz! é
arquitetado um sequestro farsante do milionário filantropo, cuja intenção
envolve diminuir as chances do herói em ser pego com sua identidade civil, já
que ele estaria em uma “guerra” contra o mais astuto dos antagonistas. Nessa e
na próxima história (O Poço de Lázaro)
o Morcego cria “aliança” com o gangster Fosforos
Malone, o que possibilita a ele conseguir chegar a meios que ele não alcançaria
sozinho. Após uma longa viagem, Batman finalmente ataca seu adversário,
vendo-o voltar do mundo dos mortos. O embate entre os dois inimigos deixa de
ser teórico e intelectual para finalmente chegar às vias de fato, em O
Demônio Vive Outra Vez, ainda que de modo abreviado, em virtude
de contratempos com os aliados do Morcego. O duelo é finalmente concluído com
uma disputa de esgrima na qual o valor dos contestes é provado.
Por Filipe Pereira
Fonte: Vortex Cultural
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