Um romance pensado em cinco volumes.
A arte repleta de hachuras de Klaus Janson consegue aumentar ainda
mais o escopo de violência do roteiro, que exibe uma crueldade e crueza
típicas dos filmes de ação oitentistas, claro, com maior aprofundamento e conteúdo
que os dos clichês de cinema. Gothic tem em seus cenários e trabalho
de cores um esmero diferente do usual nos quadrinhos de 1987, em que se remete
a tempos pregressos, semelhante à época barroca, quando a tragédia era
cantada a plenos pulmões de modo teatral, orquestrada pelo escocês Grant
Morrison.
O mergulho na intimidade de Bruce
mostra uma imaginação de sua infância: vestido com o manto e analisando os
perigos que aparecem, numa primeira menção da pequena mostra da psicanálise que
seria realizada na saga Descanse em Paz, reutilizando elementos da história
do personagem ao seu próprio modo. O traço de Janson lembra –
propositalmente – o design dos primeiros escritos de Bob Kane e Bill
Finger, tempos em que o escapismo era a tônica, e a simplicidade não era sinônima
de mediocridade, somente de diversão descompromissada.
A história paralela, que exibe flashbacks da
época da Peste Negra, mostra uma faceta mais mística das crenças de
Batman, ao contrário do costumeiro ceticismo do detetive. As experiências de
quase morte que o Cruzado sofreu fizeram-no mudar de ideia, demonstrando uma
evolução de pensamento condizente com a realidade que ele depara. O farsesco
evento da época da “caça às bruxas” contém um sem número de simbolismos e
alegorias relativos ao presente de Gotham, onde também há uma perseguição
aos mascarados.
A vilania do Senhor Whisper tem um
caráter de teatralidade, farsesco e pitoresco, com falas inflamadas e violência
atroz. Os corpos pendurados na torre do castelo, pingando sangue, fazem lembrar
os filmes de
monstros da Universal, que, por sua vez, também tinham um
bocado de influências shakespearianas. O terror que o vilão demonstra ao
herói lembra as fobias mais comuns aos homens, utilizando traquitanas
comuns aos super-vilões do seriado sessentista de Adam West, mas, claro,
sem perder a seriedade.
O visual barroco e o clima soturno
certamente influenciaram o aspecto figurativo do filme de Tim Burton.
A atmosfera pseudo fantástica é bastante semelhante à de Batman: O
Retorno, e reproduz a ligação do principal vilão com o jovem Bruce Wayne,
anos antes do milionário tornar-se o vigilante de Gotham em Batman, de 1989.
A trivialidade acomete o final da
publicação, mostrando uma batalha final sem muita pompa no quesito luta física,
mas carregada de terror por seu desfecho sanguinário. O horror medieval do
monastério inundado exibe um pouco do ideário de Morrison, das influências
literárias de Bram Stoker, Mary Shelley e do clima comum aos
romances e contos desses autores. A atitude de Batman valoriza a honradez no
duelo com seu inimigo, um respeito não condizente com a postura do adversário
supervalorizado por seu combatente, que vê nele uma figura além das próprias
capacidades destrutivas, problema causado pelo trauma e marcas
carregadas desde a infância de Bruce. Gothic é um conto isolado,
mas remete ao passado de Batman, unindo-se a ele inúmeras referências literárias,
demonstrando as qualidades de um Morrison ainda em início de carreira.
Por Filipe Pereira
Fonte: Vortex Cultural
Fonte: Vortex Cultural
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