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Especial do Planeta Marvel: Demolidor por Frank Miller – Parte 3

Frank Miller havia destrinchado o âmago psicológico de Bruce Wayne em O Retorno do Cavaleiro das Trevas e estava pronto para fazer o mesmo com Matt Murdock em: A Queda de Murdock.


A revista do Demolidor mais uma vez estava à beira do cancelamento no final de 1985, mesmo com os roteiros de Denny O’Neil, que já tinha um bom histórico em trabalhar com histórias urbanas (Batman, Lanterna e Arqueiro Verde), mas as vendas não estavam boas. Heather Glenn havia se suicidado e a firma de advocacia Nelson & Murdock estava falida. Parecia até um paralelo que acontecia com as quedas constantes nas vendas da revista. Neste cenário, Miller retorna para algumas edições, mas que seria o suficiente para dar um novo fôlego – o suficiente para que a revista continuasse sem parar. Não à toa, o nome original em inglês dessa história é “Born Again” (Renascido), mas a tradução em português também ficou bacana.


Logo no início, Miller mostra que não está para brincadeira – a bela Karen Page agora é uma atriz pornô, viciada em álcool e drogas, e que vende a identidade secreta de seu amado por mais uma “dose”. A informação chega até Wilson Fisk, que não perde tempo e nem a oportunidade de acabar com a vida do Demolidor, ou melhor, num lance extremamente argucioso, Fisk decide acabar com a vida do advogado Matt Murdock, e com isso, destruir toda a estrutura que mantinha o Demolidor na ativa. Assim, de maneira gradual, quase imperceptível, Matt tem sua vida civil completamente destruída.

Sem saber exatamente o que está acontecendo e demonstrando seu lado esquizofrênico que Miller já havia dado início em sua primeira passagem, o Demolidor passa a caçar e torturar criminosos sem importância de forma brutal e violenta, em busca de respostas que nunca chegam. Sem sucesso, ele começa a ter alucinações, apresenta sintomas de Síndrome do Pânico e sua saúde mental se deteriora rapidamente.


Miller retoma outro aspecto que ele deixou em aberto em sua primeira passagem pela revista, trazendo à tona a suposta mãe de Matt, agora uma freira. O lado religioso passa a ser um fator fundamental para a recuperação do herói cego, como se fosse um milagre divino em operação. O laço estreito e a influência paterna de Matt também passam a fazer parte de sua ressurreição emocional e física – afinal, que melhor exemplo de perseverança seu pai Jack “Batalhador” Murdock deixou como legado dos seus tempos de boxe! Um final bem heroico numa batalha mortal contra Bazuca – mais um personagem com um fundo psicológico complexo e contraditório e até mesmo a aparição dos Vingadores para dar um tempero Marvel à essa história sensacional.

Nunca vi personagens serem tratados de modo tão realista e profundo:

- Ben Urich, que tenta ajudar seu amigo Murdock com suas matérias investigativas, acaba recebendo uma ameaça de morte – não só para ele, mas sua esposa também. Nessa hora vemos o dilema de Urich de modo explícito – ceder ao medo ou manter-se firma em suas convicções.

- Karen Page, ex-secretária e ex-namorada de Matt retratada de maneira crua e real – uma vida destruída pelo vício que num momento de puro egoísmo implícito acaba com a vida daquele que sempre a amou.

- O relacionamento que floresce entre Foggy e Glorianna – apenas um momento de fraqueza? Ou um certo indício de inveja, desilusão e desapontamento para com Murdock?

- Wilson Fisk num de seus melhores momentos, cruel, frio, calculista, insensível, determinado, uma verdadeira máquina destruidora tanto em sentido físico, quanto intelectual.

- O vilão Bazuca, uma verdadeira arma viva do exército americano usado para exterminar os inimigos do país. Somente isso? Ou uma pessoa conturbada, sofrida, que até mesmo usa uma maquiagem da bandeira americana em seu rosto para esconder uma profunda cicatriz de guerra? Bazuca, na minha opinião, é um retrato vivo da frustração e do fracasso americano na Guerra do Vietnã.


A cena final da redenção de Matt e Karen ficam evidentes. Perdão e arrependimento se mesclam num abraço amoroso, porém sofrido. É difícil conter a emoção ao ver essa cena, depois de ter acompanhado toda a trajetória deles desde o começo.

David Mazzucchelli retratou a “crueldade” de Miller de maneira realista e sem rodeios. Um desenhista que estava chegando no seu ápice – que se concretizaria um tempo depois em Batman Ano Um, também ao lado de Miller.

Em Queda de Murdock, Frank Miller mergulha fundo e sem piedade na mente, não só dos personagens dessa história, mas também na mente de seus leitores. Uma obra que faltam palavras de elogio, um clássico eterno, que a cada ano que passa e a cada nova leitura fica cada vez melhor.

Leia a primeira parte desse Especial aqui.
Leia a segunda parte desse Especial aqui.

Por Roger


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6 Comentários

  1. Essa foi uma fase de ouro para o personagem, Frank Miller estava no seu auge e trouxe um fator para os quadrinhos que estava sendo muito necessário: Cruel Realidade. Certo que é uma obra de ficção, mas essa saga lançou na vida do Demolidor um senso de drama e humanidade que o redefiniu por muito tempo. Nesse período que os quadrinhos de heróis saíram da juventude para a fase adulta. Ficou muito legal esse especial, li essa saga em formatinho e comprei a edição da Salvat porque uma saga dessas merece um material de conservação a altura.

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    1. Mais uma das coisas que achei interessante sobre a fase do Miller no Demolidor, mas que eu não mencionei:
      - Em sua primeira passagem, depois de assumir o roteiro no lugar do Roger McKenzie, Miller praticamente zerou tudo na vida do Herói Sem Medo, mas sem desconsiderar o que estava sendo trabalhado pelo escritor anterior.
      - Achei que ele fez a mesma coisa em Queda de Murdock.
      Para mim, isso foi uma demonstração de respeito, e ao mesmo tempo, ele conseguiu impor sua própria característica nas histórias.
      Só mencionei isso porque o Bendis não costuma levar em conta a cronologia quando assume um título ou uma história. Veja bem, considero o Bendis um arquiteto do universo Marvel contemporâneo e sou fã dele, mas não dá para negar que ele não é muito de respeitar o que o roteirista anterior estava fazendo. Prova disso é Vingadores ã Queda, que eu gosto e considero o primeiro passo para o universo Marvel como conhecemos agora.

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  2. Nunca esqueço aquela parte que o rosto do Urich fica vermelho. Sem dúvida uma das melhores coisas que eu já li.

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    1. Sim, Douglas, me lembro também. O Urich viveu um dilema ético quando descobriu a identidade do Demolidor, e dessa vez, colocou-se numa situação que dá o que pensar. Afinal, ele perdeu muito em sentido profissional ao não revelar a identidade do herói, mas dessa vez, seu dilema envolvia sua própria vida e de sua família. O que faríamos no lugar dele? Acho isso uma questão interessante levantada pelo Miller.

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    2. O que dizer então daquela da roleta russa com o Mercenário? Um trabalho inacreditável. Parabéns por te-lo revisado em uma matéria de 3 partes o/

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    3. Sim, aquela história me arrepia até hoje. Até cheguei a comentar com mais detalhes essa história em especial:
      http://planetamarveldc.blogspot.jp/2015/05/especial-do-planeta-10-hqs-com.html
      Puxa, eu que agradeço a força. Saber que matérias assim são apreciadas por pessoas atentas e amigáveis como você só incentiva cada vez mais.
      Tenho visto seus posts recentes lá no blog do Ozy. Só não comentei porque sou totalmente leigo em matéria de games. Mas vejo que você faz um trabalho caprichado em cada texto.

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