A década de 80 foi terreno extremamente fértil para as
histórias em quadrinhos. Para Batman,
a década foi palco de obras clássicas como A Piada Mortal, Cavaleiro
das Trevas, Batman – Ano Um e Asilo Arkham, pilares canônicos do Morcego. Em um
curto espaço de tempo, grandes roteiristas apresentaram sua leitura do herói,
desconstruindo, ao seu desejo, inexperiência, loucura, parceria e morte ou
quase-mortes fatais.
Não é a figura mitológica de Gotham City o enfoque da
história, mas o homem por trás da máscara. Sobrepujado, faminto e enfraquecido
pelo diácono Blackfire, o espírito de Bruce Wayne foi quebrado. O personagem já
sofreu derrocadas anteriores mas nunca de forma centrada em sua psiquê interna.
O roteiro de Jim Starlin nega o conceito de um herói quase
inumano, fundamentado pelas décadas posteriores como um personagem
indestrutível.
Responsável pela prisão do Morcego, o diácono Blackfire
reúne nos esgotos de Gotham City os párias invisíveis da sociedade em uma seita
que deseja erradicar o mal da cidade e dar poder aos menos favorecidos. Uma
parábola afirma que o messias surgiu em uma época próxima da colonização da
América, e, desde então, sua palavra santa é propagada. O diácono representa o
personagem carismático que domina, a favor de si próprio, seres desesperados.
Por intermédio de uma força maior, favorecida pelo uso de psicotrópicos,
Blackfire induz uma seita devota pelo medo e fé. No prefácio assinado por Starlin em
1990, o autor refere-se ao personagem como um reflexo de certo grupo de
americanos que estiveram contra os quadrinhos desejando evitar que a violência,
a morte e o horror estivessem presentes em obras de entretenimento. A discussão
foi passada para a história na figura do diácono, em suas palavras, “disfarçado
como um líder religioso, se escondendo sob um falso moralismo enquanto age em
nome de seus próprios interesses”. A figura do vilão carrega o lado sinistro
das seitas e de seus meios para conquistar fiéis, um sistema que, apertando os
pontos certos de tensão, coloca o próprio herói em dúvida.
A história demonstra a humanidade do Morcego e a fraqueza de
Bruce Wayne. Mesmo que em porção diminuta, os medos persistam e ampliam-se
pelos alucinógenos. Batman se torna um homem frágil, oscilando entre a
realidade e o onírico, quase destruído pela culpa e pela sensação de ter sido
mais um mal à própria cidade. Enquanto permanece encarcerado, crimes brutais
acontecem nas ruas de Gotham. Eliminando criminosos, o Comissário
Gordon e o
menino-prodígio Jason Todd são incapazes de conduzir uma
investigação destes crimes e encontrar o paradeiro do detetive que poderia
elucidar tais acontecimentos. Um paradoxo que demonstra a importância de Batman
dentro das engrenagens da cidade.
O desenho de Wrightson, reconhecido pelos traços
de Monstro do Pântano, quebra a dimensão da realidade e
imerge o leitor na consciência transitiva do Morcego em dúvida. É um lampejo
criativo que implode a personagem em uma soberba trama
psicológica, a qual também deveria figurar entre as grandes obras do Morcego,
mas que ainda continua um tanto eclipsada diante destas grandes histórias. Não
à toa, a ambientação do submundo foi utilizada no roteiro de O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o final da
trilogia cinematográfica de Christopher Nolan, que cirurgicamente retirou
diversos elementos de narrativas chave do Morcego para construir seu roteiro.
Por Thiago Augusto Corrêa
Fonte: Vortex Cultural
2 Comentários
Parece uma boa história.
ResponderExcluirPs:Quando eu vi o titulo não pude deixar de imaginar o Batman andando sobre a água.
Batman O Messias é recomendadíssimo! Me lembro quando comprei a edição 1 (original de 1989) na banca. Cheguei em casa, comecei a ler e fiquei surpreso de ver como o Batman havia se colocado naquela situação toda! Leitura de qualidade!
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